Nova resolução pode reinserir 2 mil áreas protegidas no mapa oficial do Brasil

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O Brasil convive, há décadas, com um paradoxo silencioso no coração de sua política ambiental: centenas de áreas destinadas à conservação da natureza simplesmente não “existem” para o sistema oficial que deveria reconhecê-las. Essas unidades estão no território, cumprem funções ambientais relevantes, têm regras de proteção e, muitas vezes, gestão estabelecida, mas permanecem fora do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC). O problema, acumulado ao longo dos anos, atinge mais de 2.150 áreas protegidas, número que representa quase 40% do que o país efetivamente protege.

Emerson Gomes D.

A lacuna ocorre por motivos variados: ausência de dados completos sobre a gestão, falhas históricas de registro, divergências entre nomenclaturas locais e categorias previstas na lei federal e, em certos casos, indefinição jurídica sobre o enquadramento dessas áreas. O efeito, entretanto, é concreto e profundo. Ao ficarem de fora do CNUC, essas unidades não entram no mapa oficial da conservação, não aparecem nas estatísticas apresentadas pelo Brasil em acordos internacionais e, sobretudo, não acessam recursos fundamentais, como compensações ambientais ou repasses vinculados ao ICMS Ecológico.

Esse cenário pode mudar nos próximos meses com a tramitação, no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de uma resolução elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). A proposta permite que órgãos ambientais federais, estaduais e municipais reconheçam a equivalência entre essas áreas subnotificadas e as categorias oficiais previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Em outras palavras, cria um caminho para que unidades hoje invisíveis sejam formalmente enquadradas e passem a contar no conjunto da proteção ambiental brasileira.

A mudança é vista como estratégica por técnicos e gestores porque atualiza a infraestrutura institucional da conservação. Hoje, o CNUC reúne cerca de 3,3 mil registros, cobrindo áreas como o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Minas Gerais, administrado pelo ICMBio e referência em conservação de cavernas. Mas esse número é artificialmente reduzido. Ao excluir milhares de áreas, o cadastro não reflete a extensão real do esforço nacional, subestima a rede de proteção e compromete diagnósticos que orientam fiscalização, investimentos e políticas públicas.

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Foto: Mari Franca / Creative Commons

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A proposta do MMA ganhou apoio técnico de órgãos centrais do Estado. O Ibama avalia que a resolução corrige distorções acumuladas e amplia a segurança jurídica para ações de monitoramento e licenciamento. O ICMBio vê na medida um avanço para integrar dados, padronizar informações e fortalecer a governança entre esferas federativas. A Advocacia-Geral da União também se manifestou favoravelmente, reconhecendo que a equivalência facilita o alinhamento entre legislações estaduais e a lei federal.

Mas os efeitos da proposta não se limitam à técnica normativa. O reconhecimento dessas áreas poderá destravar repasses financeiros essenciais para sua manutenção. Muitas unidades dependem de compensações ambientais — valores pagos por empreendimentos como forma de reparar impactos inevitáveis —, mas só podem receber recursos se estiverem formalmente inscritas no CNUC. Em diversos estados, o enquadramento no cadastro também determina o acesso ao ICMS Ecológico, mecanismo que redistribui parte do imposto estadual para municípios que protegem seus territórios.

Assim, a resolução pode tirar centenas de áreas do que especialistas chamam de “apagão administrativo”: territórios protegidos que existem no papel, mas não no sistema que deveria garantir sua viabilidade. Sem recursos, fiscalização regular e instrumentos de gestão, essas áreas permanecem vulneráveis, mesmo que sua criação tenha sido motivada por ameaças concretas, como desmatamento, caça ou pressão fundiária.

Ao reconhecer oficialmente essas unidades, o país também melhora sua posição em compromissos internacionais, como a Convenção sobre Diversidade Biológica. A subnotificação afeta dados divulgados globalmente e reduz a credibilidade da política ambiental brasileira. A regularização, portanto, também é um ato de diplomacia ambiental.

Mais do que corrigir um banco de dados, a resolução é uma oportunidade de atualizar a leitura que o Brasil faz de si mesmo. A proteção ambiental só funciona plenamente quando o Estado reconhece, integra e fortalece sua rede de unidades de conservação. Ao recompor o mapa real da conservação brasileira, o país se aproxima de uma administração mais transparente, eficaz e alinhada com os desafios contemporâneos de clima e biodiversidade.

Se aprovada, a medida poderá marcar um ponto de inflexão: transformar áreas “fora do mapa” em peças formais do sistema, garantir acesso a recursos e permitir que mais de duas mil unidades deixem o limbo administrativo e passem a contar, de fato, para a proteção da natureza — e para o futuro do país.