Durante a Barqueata realizada no Guajará, em Belém, o histórico líder indígena Raoni Metuktire fez um apelo direto: somente a união entre povos indígenas e não indígenas poderá sustentar a defesa da Amazônia e oferecer ao mundo respostas reais para a crise climática. A travessia fluvial, que abriu oficialmente o Peoples’ Summit rumo à COP30, reuniu mais de cinco mil pessoas de 62 países num cortejo que transformou o rio numa declaração coletiva de resistência.

O amanhecer sobre as águas refletia centenas de embarcações, alinhadas em ritmo próprio, criando um gesto político que nasce da vida cotidiana dos povos da floresta. A Barqueata é mais do que um ato simbólico: é uma mensagem enviada ao planeta desde o território amazônico, reforçando que as soluções para o clima surgem de lugares onde a relação com a terra permanece viva.
Entre os participantes estava o cacique Raoni, acompanhado por Megaron Txucarramãe, Kokonã Metuktire e Iamut Metuktire. Vindos da chamada Caravan of the Response, que percorreu rios entre Santarém e Belém, eles reforçaram oposição ao projeto Ferrogrão, símbolo de um modelo econômico assentado em infraestrutura corporativa que se impõe sobre territórios indígenas e ecossistemas críticos.
Raoni, com a serenidade dos que carregam legado ancestral, denunciou a pressão crescente sobre as florestas: o avanço da soja em Mato Grosso, o desmatamento em escalada e a ameaça recorrente de ferrovias e projetos de exploração petrolífera. Alertou que os impactos atingem primeiro os povos originários, mas inevitavelmente se espalham para todos. Ainda assim, enfatizou caminhos de esperança: convivência pacífica, escuta mútua e políticas ambientais construídas com respeito entre diferentes culturas.

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Ao falar sobre sua presença internacional, destacou que o reconhecimento que recebe fora do Brasil se deve à clareza de sua missão: não negociar as riquezas de seu território, mas exigir que o mundo respeite e apoie a preservação da floresta. Para ele, proteger a Amazônia é proteger o fôlego do planeta e a sobrevivência das gerações futuras.
A Barqueata também refletiu a força de uma rede global. Na coletiva de imprensa, Kirtana Chandrasekaran, da Friends of the Earth International e integrante da Comissão Política do Peoples’ Summit, lembrou que, além das mais de dez mil pessoas mobilizadas em Belém, milhões atuam simultaneamente em seus próprios territórios. Segundo ela, esses grupos formam uma teia planetária que enfrenta um sistema econômico que, alimentado por guerra, desigualdade e destruição ambiental, tenta negar alternativas ao futuro. Para Kirtana, os movimentos reunidos no evento constituem uma resposta viva à crise civilizatória ao propor agroecologia, justiça climática e permanência das comunidades em suas terras.
Ela criticou o agronegócio que se apresenta como solução, mas não garante segurança alimentar, e afirmou que a soberania dos povos e o retorno das terras às comunidades indígenas são fundamentos de qualquer mudança estrutural. Também destacou o papel do Conselho de Nações, onde movimentos sociais articulam ações internacionais contra o colonialismo, a militarização e o poder das corporações transnacionais.
Cleidiane Vieira, da Comissão Política do Summit e representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), reforçou o sentido profundo da Barqueata como abertura do encontro. Para ela, celebrar o evento navegando é reconhecer que a Amazônia é simultaneamente floresta, rio e povo — uma unidade inseparável que sustenta modos de vida e saberes que o mundo precisa enxergar como parte das soluções climáticas.
A travessia de cerca de 4,5 milhas náuticas transformou o Guajará em palco de denúncia e anúncio. Entre bandeiras e cantos, reafirmou-se que as respostas para a crise não virão de pacotes tecnológicos ou promessas vazias, mas de conhecimentos coletivos, práticas agroecológicas, defesa de direitos e respeito aos territórios tradicionais. O contraste entre motores ruidosos e cantos indígenas compôs uma cena que simboliza o encontro possível entre mundos distintos quando há compromisso com a vida.
A Barqueata foi apenas o primeiro passo. Nos dias seguintes, o Peoples’ Summit iniciaria a redação de sua Carta Política, entregue ao presidente da COP30, André Corrêa do Lago, e aos tomadores de decisão internacionais. No dia 15, a Global March for Climate Justice reuniria milhares pelas ruas de Belém, e, no encerramento, o Banquet for All discutiria o direito à alimentação saudável e produzida em equilíbrio com a natureza.
A mensagem final do evento ecoou a lição de Raoni: não existe um planeta de reserva. Defender a Amazônia não é uma causa isolada — é um chamado universal, uma luta que começa nos rios e florestas, mas que pertence a toda a humanidade.








































