Belém a escolha certa, no coração da Amazônia que pulsa por justiça climática

Belém é a escolha no coração da Amazônia, lutando por justiça climática e preservando um dos maiores tesouros naturais do planeta.

Autor: Redação Revista Amazônia

Rodrigo Hühn, editor 

Nos últimos meses, muito se falou, e infelizmente, mal, sobre a escolha de Belém do Pará como sede da COP30. Vieram críticas ácidas, muitas travestidas de preocupação com logística, estrutura e acessibilidade. Mas por trás desse verniz técnico, o que se esconde, muitas vezes, é o preconceito. A crítica que se apresenta como neutra e racional revela, ao ser examinada mais de perto, um olhar enviesado, sulista e elitista que persiste em marginalizar o Norte do Brasil.

Vamos ser claros: o problema nunca foi Belém. O problema é a insistência em negar a Amazônia como centro legítimo das decisões globais. É a recusa em enxergar que os povos da floresta, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, não só têm o direito de estar à mesa das negociações como têm muito a ensinar.

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A floresta quer falar: estávamos ouvindo?

Durante décadas, o mundo olhou para a Amazônia como uma reserva de recursos, um exótico pano de fundo para campanhas ambientais de ONGs internacionais, ou pior: como um território vazio, à espera de ocupação. Mesmo em debates climáticos, a floresta era sempre mencionada, mas raramente ouvida. Agora, com a COP30 marcada para acontecer em Belém, algo muda. Pela primeira vez, o epicentro da maior conferência climática do planeta será um território amazônico.

É simbólico, é político, é histórico. E, sobretudo, é justo.

A floresta quer falar. Seus povos querem ser escutados. Não como figurantes no palco da sustentabilidade, mas como protagonistas da resistência climática. Quem preservou a floresta até hoje foram eles — não as grandes potências, não os governos centrais. Os povos indígenas e tradicionais conservaram a biodiversidade com sabedoria ancestral. Seus modos de vida são, há séculos, exemplos de sustentabilidade real, concreta, cotidiana.

Críticas seletivas, silêncios eloquentes

Boa parte das críticas à escolha de Belém vem de vozes urbanas do Sudeste, muitas das quais se consideram progressistas. É curioso observar como a preocupação com “infraestrutura” surge justamente quando uma cidade nortista é escolhida. Onde estavam esses questionamentos quando a COP foi sediada em países do Oriente Médio com histórico de repressão a movimentos sociais, ou em cidades onde ativistas foram impedidos de protestar?

No Egito, em 2022, organizações de direitos humanos denunciaram a repressão a manifestantes. Em Baku, no Azerbaijão, já em preparação para a COP29, movimentos sociais relatam barreiras à participação. E ainda assim, não se viu o mesmo nível de indignação que agora se projeta sobre Belém.

Esse silêncio seletivo diz muito. É fácil apontar os desafios de uma cidade amazônica quando se ignora deliberadamente o contexto de abandono histórico. O Norte do Brasil sempre foi tratado como periferia da política nacional, um lugar de extração, não de decisão. Agora que Belém se torna centro, há quem se incomode.

Mas é um incômodo revelador. E necessário.

A COP que queremos: menos luxo, mais escuta

Belém está longe de ser perfeita. Como qualquer cidade brasileira — e como muitas sedes anteriores da COP — enfrenta problemas de mobilidade urbana, rede hoteleira limitada e desafios de saneamento. Mas qual cidade do mundo está plenamente preparada para receber 50 mil pessoas de uma só vez, sem ajustes e investimentos prévios?

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A crítica ao “gasto público” para preparar Belém soa ainda mais cínica. O que está em jogo não é uma “COP do luxo”, como alguns sugerem, mas uma COP da justiça — justiça territorial, climática e histórica. O investimento na cidade representa não um privilégio, mas um reparo. Levar infraestrutura à Amazônia é investir em dignidade para seus moradores — antes, durante e depois da conferência.

E convenhamos: talvez estejamos mesmo precisando de uma COP menos luxuosa. Nas últimas edições, o evento se tornou, muitas vezes, um palco de exibicionismos corporativos. Lobistas de petroleiras dividindo espaço com ambientalistas, cafés gourmet sendo servidos enquanto lideranças indígenas aguardam credenciamento. Isso precisa mudar. E talvez a simplicidade de Belém nos ajude a lembrar o essencial: estamos aqui para salvar vidas, não reputações.

Amazônia não é cenário, é sujeito

A escolha de Belém representa algo que vai muito além da geografia. Ela coloca a Amazônia como sujeito político, como voz ativa e criadora de soluções. É uma inversão necessária.

Quantas vezes vimos acordos climáticos serem assinados em salões refrigerados na Europa, enquanto a floresta que todos querem proteger arde em chamas? Quantas vezes os povos da floresta foram retratados como vítimas silenciosas ou “guardiões românticos”, mas nunca como estrategistas, cientistas, diplomatas de seu próprio território?

Chegou a hora de mudar isso. A COP30 em Belém precisa ser uma plataforma para escutar lideranças indígenas como Sônia Guajajara, Txai Suruí, Dinamam Tuxá. Precisa abrir espaço para as mulheres extrativistas, os pescadores artesanais, os jovens quilombolas. Eles não precisam ser validados por universidades estrangeiras para serem reconhecidos como detentores de conhecimento. Eles são ciência viva, são política em movimento.

O Norte merece ser centro

Por trás de todas as críticas à Belém há uma pergunta incômoda: quem decide o que é centro e o que é periferia? Por que Paris, Berlim ou Nova York são tidas como “aptas” a sediar eventos globais, mas Belém é tratada com desconfiança?

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Vista aérea do Parque da Cidade, legado da COP30 em Belém

Essa lógica colonial está enraizada em nossas práticas — inclusive nas mais progressistas. E só será desmontada quando pararmos de medir valor pelo PIB, pelos arranha-céus ou pelo número de aeroportos internacionais. Belém é centro porque é pulsante. Porque é onde a floresta vive e resiste. Porque é onde o Brasil profundo quer ser escutado.

Caminhos para um novo pacto

Belém pode, sim, não estar pronta. Mas essa é justamente a beleza da escolha: ela nos convoca à ação. Nos desafia a construir uma COP que não seja apenas mais uma. Uma COP que olhe para a floresta, mas sobretudo para quem vive nela. Que escute a ciência, mas também os cantos dos povos originários. Que fale de carbono, mas também de território, de racismo ambiental, de justiça social.

Essa COP pode inaugurar um novo pacto global. Um pacto que reconheça que não há justiça climática sem justiça cognitiva, como já dizia Boaventura de Sousa Santos. Um pacto em que o saber técnico caminhe ao lado do saber ancestral. Onde os satélites que medem o desmatamento estejam em diálogo com os olhos atentos das comunidades que vivem na floresta.

Coerência

A escolha de Belém não é um erro logístico, é um acerto histórico. E cabe a nós — jornalistas, ativistas, gestores, cidadãos — proteger esse marco das críticas injustas que tentam deslegitimá-lo. Em vez de reforçar os estigmas que tanto combatemos, que tal escutarmos com humildade o que a Amazônia tem a dizer?

Porque no fim das contas, a pergunta não é se Belém está pronta para a COP. A pergunta é: estamos nós prontos para escutar a Amazônia?


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