Marcello Casal jr/Agência Brasil
O Brasil está dando passos decisivos rumo à independência tecnológica em um dos campos mais promissores da transição energética: as células a combustível de óxido sólido, conhecidas como SOFCs. Pesquisadores do Centro de Inovação em Novas Energias (CINE), um Centro de Pesquisa Aplicada (CPA) criado pela FAPESP em parceria com a Shell e sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), já produziu protótipos de células 100% nacionais.
A iniciativa é pioneira porque busca reduzir a dependência de fornecedores estrangeiros em uma tecnologia considerada estratégica para a produção de energia limpa.
As SOFCs são dispositivos capazes de gerar eletricidade com alta eficiência e baixas emissões. Diferentemente de outras células a combustível, elas aceitam diversos insumos, hidrogênio, bioetanol, metano, o que amplia as possibilidades de uso, desde veículos elétricos até comunidades isoladas da rede elétrica.
O desafio, porém, está em suas condições de operação. Para funcionar, as SOFCs atingem temperaturas que podem chegar a mil graus Celsius. Esse calor extremo compromete a durabilidade dos materiais e a estabilidade do sistema, fatores que ainda limitam sua adoção em larga escala.
Foi para enfrentar essa barreira que surgiu, no início dos anos 2000, a tecnologia das SOFCs de suporte metálico, conhecidas pela sigla MS-SOFCs. Nessa versão, o “esqueleto” do dispositivo é um metal poroso que oferece resistência mecânica, conduz eletricidade e permite a passagem dos gases de forma mais eficiente.
“Podemos imaginar a célula como um sanduíche de camadas. O suporte metálico é a base firme que impede a quebra da estrutura, conduz corrente elétrica e facilita o fluxo de combustível”, explica o engenheiro químico Gustavo Doubek, pesquisador da Unicamp e um dos autores principais de um artigo publicado na revista Ceramics International.
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No CINE, Doubek lidera pesquisas para aprimorar as MS-SOFCs. O trabalho inclui a produção de protótipos feitos integralmente no Brasil, testes com diferentes ligas metálicas para avaliar resistência em condições extremas e estudos de desempenho voltados a ampliar a potência e a vida útil das células.
Os resultados obtidos até agora reforçam a avaliação do pesquisador: “o Brasil tem capacidade de desenvolver tecnologia própria nessa área, reduzindo a dependência de fornecedores externos e abrindo caminho para aplicações em mobilidade sustentável e geração descentralizada de energia limpa”.
O estudo destacou o potencial das ligas de aço inoxidável como suporte. Elas aliam robustez à resistência à corrosão, atributos essenciais para enfrentar as exigências de operação em temperaturas elevadas. Além disso, os avanços relatados no artigo oferecem aos pesquisadores de todo o mundo orientações sobre fabricação, escolha de materiais e tratamentos de superfície capazes de tornar a produção mais escalável e econômica.
A pesquisa contou com colaboração internacional de um cientista da King Abdullah University of Science and Technology (KAUST) e foi apoiada por diferentes fontes de financiamento. Além da FAPESP, que mantém três projetos vinculados ao tema, o trabalho recebeu recursos da Fundação de Apoio da Universidade Federal de Minas Gerais (Fundep) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Esses aportes são estratégicos, pois permitem transformar pesquisas de base em soluções aplicadas, capazes de gerar impacto econômico e ambiental.
A transição energética mundial não depende apenas de grandes parques solares ou eólicos. Tecnologias de armazenamento e conversão de energia, como as células a combustível, são fundamentais para garantir segurança energética em diferentes contextos.
Nesse cenário, a capacidade do Brasil de dominar o ciclo completo de produção de SOFCs, da pesquisa em materiais ao protótipo funcional, tem peso estratégico. Mais do que um avanço científico, trata-se de uma afirmação de soberania tecnológica e de inserção em cadeias globais de inovação.
O trabalho do CINE mostra que, com investimentos consistentes e cooperação entre universidades, agências de fomento e setor privado, o país pode não apenas acompanhar, mas também propor soluções próprias em tecnologias de fronteira.
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