O Brasil deu um passo estratégico para enfrentar um cenário global que se aproxima rapidamente: a taxação internacional de emissões do transporte marítimo. Com a Organização Marítima Internacional discutindo tarifas que podem chegar a 380 dólares por tonelada de dióxido de carbono emitida, o governo decidiu antecipar tendências e lançar um pacote de iniciativas voltadas à descarbonização dos portos e da navegação. Os novos Programas Nacionais de Descarbonização de Portos e da Navegação, apresentados pelo Ministério de Portos e Aeroportos durante a COP30, em Belém, funcionam como um mapa de transição energética para um setor que historicamente depende de combustíveis fósseis.

A construção dessas diretrizes parte de um entendimento mais amplo: o país não pode esperar que o mercado ou regras externas façam o trabalho por ele. O ministro Silvio Costa Filho apresentou os programas como instrumentos de modernização, capazes de alinhar o sistema portuário brasileiro às exigências ambientais que moldarão o comércio internacional nas próximas décadas. Há nesse gesto tanto pragmatismo econômico quanto ambição climática. Cada país que se adiantar na adequação às novas regras garante competitividade, reduz custos operacionais e projeta uma imagem de responsabilidade ambiental.
Um dos eixos centrais é a eletrificação das estruturas portuárias. A estratégia busca fornecer energia limpa aos navios atracados, eliminando a necessidade de manter motores ligados durante longos períodos e reduzindo a dependência de diesel. A ação tem impacto direto no corte de emissões e funciona como porta de entrada para tecnologias de baixo carbono, já consolidadas em países líderes do transporte marítimo. O Brasil, porém, precisa adaptar tais soluções à sua realidade: condições climáticas mais extremas, diferenças de infraestrutura entre portos e um mosaico logístico que envolve zonas urbanas, áreas industriais e comunidades costeiras.
Durante a COP30, um exemplo provisório dessa transição pôde ser observado com o uso de Gás Natural Liquefeito no abastecimento de embarcações utilizadas como hotéis flutuantes. Apesar de ser ainda um combustível fóssil, o GNL reduz em até 30% as emissões quando comparado ao diesel, funcionando como etapa intermediária até a consolidação de combustíveis verdadeiramente limpos.

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Além das adaptações físicas nos portos, o governo também mira mudanças de comportamento no setor. O Pacto pela Sustentabilidade, lançado em 2025, busca engajar empresas da cadeia portuária e de navegação. A iniciativa introduz uma lógica de reconhecimento, por meio de selos ambientais, às organizações que adotam boas práticas socioambientais e de governança. Os selos não são apenas simbólicos: eles atuam como mecanismos de reputação e podem influenciar decisões de mercado, financiamentos e parcerias internacionais.
Outro vetor importante é o fortalecimento da navegação fluvial, um modal cujo impacto ambiental é cinco vezes menor do que o transporte rodoviário. A Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação conduz o processo das primeiras concessões de hidrovias do país, movimento que busca oferecer segurança jurídica, impulsionar investimentos privados e trazer previsibilidade às rotas logísticas pelos rios. O avanço desse modal tem potencial para alterar a distribuição da matriz de transporte, reduzindo pressões sobre rodovias e emissões associadas.
A regulamentação da BR do Mar também ganhou novo significado com a pauta climática. A política que estimula a cabotagem passa a exigir que empresas interessadas em ampliar suas operações adotem embarcações de menor emissão. Esse tipo de condicionamento é um sinal do novo tempo: a expansão da frota nacional precisará dialogar com metas climáticas, sob risco de incompatibilidade com padrões internacionais.
A desburocratização, por sua vez, continua sendo um instrumento decisivo para a redução de emissões. O programa Porto Sem Papel, ao simplificar processos e reduzir o tempo médio de permanência dos navios, tem efeito direto no consumo de combustível. A lógica é simples: menos espera, menos motores ligados, menos carbono liberado.
O conjunto dessas iniciativas evidencia uma mudança de mentalidade no setor. A descarbonização deixa de ser apenas uma exigência ambiental e passa a ser também um movimento estratégico de competitividade. A transição energética do transporte marítimo global será inevitável. O desafio está em decidir se o país atuará como espectador ou protagonista. Pelas medidas anunciadas, o governo quer ocupar a segunda posição.

















































