Brasil precisa reforçar proteção de florestas para atingir metas de mitigação de mudanças climáticas


Enquanto se prepara para sediar a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC COP 30, a primeira COP a ser realizada na Amazônia) em novembro de 2025, o Brasil está em um momento crucial. Suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa ainda estão ao alcance, mas ações e políticas socioambientais com foco na conservação ou restauração de florestas e biomas devem ser fortalecidas.

Este é um dos principais pontos levantados por cientistas brasileiros em artigo publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation.

Os autores são filiados ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e ao Centro Nacional de Vigilância e Alertas de Desastres (CEMADEN).

 

O artigo aborda os desafios na conservação e restauração dos biomas brasileiros, combate ao desmatamento e à degradação florestal, restauração da vegetação nativa e promoção da regeneração vegetal em florestas secundárias. Defende o fortalecimento e a expansão de políticas de manutenção dos serviços ecossistêmicos, a implementação de mecanismos consistentes para atrair investimentos em atividades de restauração e pagamento por serviços ambientais em todos os biomas, o fomento de iniciativas de bioeconomia e a criação de novas áreas de proteção ambiental.

“O artigo reflete um estudo colaborativo projetado para fornecer uma visão geral do desmatamento, degradação e restauração de biomas e como eles se relacionam com os esforços do Brasil para buscar o desenvolvimento sustentável e atingir suas metas de emissão de carbono”, disse Débora Joana Dutra, primeira autora do artigo e candidata a doutorado no INPE.

Para a bióloga Liana Oighenstein Anderson, orientadora de tese de Dutra e pesquisadora do CEMADEN, mesmo quando há medidas preventivas , elas são insuficientes para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.

“Os incêndios florestais observados neste ano na Amazônia e no Pantanal são um exemplo. A prevenção não foi suficiente para conter os números alarmantes. Quando fazemos estimativas como as do estudo, temos a sensação de que estamos sendo muito conservadores diante do que realmente está acontecendo e dos desafios que o Brasil enfrenta”, disse Anderson à Agência FAPESP.

Este foi um ano recorde para incêndios no Brasil, com 65.325 ocorrências de incêndios registradas nos primeiros sete meses — o maior número em quase 20 anos. O recorde anterior foi de 69.184 no período correspondente de 2005, de acordo com dados do INPE. Os biomas Amazônia e Cerrado são os mais atingidos (28.396 e 22.217, respectivamente).

No Pantanal, o número de focos de incêndio registrados no período chegou a 4.756, o maior desde o início dos registros, em 1998. O maior total anual no bioma foi registrado em 2020.

“Em 2020, os incêndios no Pantanal, que fica na região central do Brasil, chamaram a atenção do mundo e levaram a uma série de reações. Por exemplo, o Ministério da Ciência e Tecnologia criou a Rede Pantanal, e o estado do Mato Grosso do Sul implementou um plano de manejo integrado de incêndios. Em 2023, o governo federal anunciou um plano de manejo para o bioma, e o Mato Grosso do Sul declarou estado de emergência em abril”, disse Anderson.

“Então, houve ações relacionadas à gestão, governança e regulamentação para tentar evitar incêndios, mas infelizmente não são suficientes. Vimos progresso, mas precisamos de melhor governança, estratégias aprimoradas e mais fundos. Tudo deve ser feito mais rápido”.

Para Luiz Aragão, último autor do artigo e pesquisador do INPE, o estudo é um alerta à sociedade sobre as emissões de gases de efeito estufa e questões relacionadas.

“A sociedade deve abordar o problema não apenas do ponto de vista ambiental, mas também socioeconômico. Está tudo conectado. O desmatamento, por exemplo, tende a ser seguido por incêndios, que são um risco à saúde pública e degradam a floresta. Terras degradadas onde a floresta foi desmatada têm menos potencial para fornecer serviços ecossistêmicos, como o ciclo da água e a biodiversidade, que salvaguardam a qualidade de vida das comunidades locais e exercem uma influência significativa na atividade econômica”, disse ele.

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Mudanças no uso e cobertura da terra (como desmatamento para criação de gado e cultivo de lavouras, ou degradação florestal ) são as principais fontes de emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Como signatário do Acordo de Paris, negociado na conferência sobre mudanças climáticas da ONU de 2015 na França, o Brasil se comprometeu a ajudar a manter o aquecimento global em ou abaixo de 1,5 °C em comparação com o nível pré-industrial (1850-1900), mas o aumento médio da temperatura ultrapassou em muito esse limite nos últimos meses.

A agenda da COP30 inclui uma revisão do Acordo de Paris, que exige que todos os signatários se comprometam com as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa para 2030. O Brasil prometeu 53% em comparação com 2005. No entanto, as emissões líquidas de dióxido de carbono (CO 2 ) devido a mudanças no uso e cobertura da terra dobraram entre 2017 e 2022, de acordo com o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Quanto à restauração, o Brasil prometeu renaturalizar 12 milhões de hectares de antiga floresta nativa (uma área quase do tamanho de Portugal).

Dificuldades 

De acordo com o artigo, interromper ou reverter o crescimento do desmatamento em todos os seis biomas é um grande desafio. Os autores observam que a destruição da vegetação nativa tem sido em média de 2 milhões de hectares por ano ou mais desde 2016, quando o Brasil apresentou sua contribuição nacionalmente determinada sob as regras do Acordo de Paris.

Somente em 2022, cerca de 2,8 milhões de hectares foram desmatados, principalmente na Amazônia e no Cerrado. Essa foi a maior taxa desde 2008 e representou 23% da meta de restauração do Brasil. Além disso, a restauração da vegetação nativa é necessária em cerca de 16 milhões de hectares inadequadamente conservados como “reservas legais” em propriedades privadas, mais da metade na Amazônia e 25% no Cerrado.

Outra descoberta destacada pelos pesquisadores é o crescimento de áreas de florestas secundárias, que têm alta capacidade de captura de carbono, mas não são protegidas por legislação específica. De acordo com o artigo, 5,46 milhões de hectares de florestas secundárias cresceram fora de terras públicas entre 2017 e 2022 — 40% na Amazônia, 36% no bioma Mata Atlântica e 19% no Cerrado. Embora isso seja quase metade da meta de restauração do Brasil, a manutenção de florestas secundárias como sumidouros de carbono está ameaçada devido à sua vulnerabilidade ao desmatamento e à degradação, incluindo incêndios e exploração madeireira.

 

Ação recomendada  

No artigo, os pesquisadores recomendam ações para conservar e restaurar biomas alinhadas ao esforço de redução de emissões de carbono com o qual o Brasil está comprometido, incluindo medidas para combater o desmatamento ilegal, legislação para proteger florestas secundárias, reforço da fiscalização ambiental e da aplicação da lei, iniciativas em larga escala para restaurar a vegetação nativa e incentivos econômicos para proprietários de terras conservarem áreas florestais por meio de pagamento por serviços ecossistêmicos.

Incentivos como esses também serão importantes para conservar áreas florestais que poderiam ser legalmente desmatadas conforme a lei está agora. Essas áreas estão em propriedades onde a vegetação nativa representa uma porcentagem maior do que a “reserva legal” obrigatória. De acordo com o artigo, 38% do total da “reserva legal excedente” está no Cerrado, 23% na Caatinga, 13% no bioma Mata Atlântica e 10% na Amazônia.

É necessária legislação nacional para aumentar a proteção de florestas secundárias fora das reservas legais e áreas de conservação permanente, de modo a garantir que elas contribuam para o sequestro de carbono a longo prazo.

“As leis e medidas existentes são insuficientes para provocar mudanças”, disse Aragão. “O clima global é diferente. Não será possível resolver os problemas ambientais, que estão se tornando mais severos por causa das mudanças climáticas, se confiarmos somente no pensamento passado. Precisamos mudar para o pensamento futuro”.

Estratégias de recuperação de áreas degradadas em relevo acidentado e com subsolo exposto:
(A) exemplo de área degradada por mineração ou erosão; (B) aplicação de técnicas de engenharia ambiental para estabilização de encostas; (C) reabilitação ecológica por meio da semeadura de gramíneas forrageiras e plantio de espécies arbóreas exóticas; (D) restauração ecológica, resultado da transposição de solo florestal superficial e plantio adensado de mudas de espécies arbóreas tardias da sucessão; (E) ecossistema nativo restabelecido

O Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas informou à Agência FAPESP, por meio de sua assessoria de imprensa, que tem tomado medidas para atingir o compromisso de “desmatamento zero em todos os biomas até 2030”. Entre as medidas adotadas estão o União com Municípios, programa lançado em abril como parte do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), com R$ 785 milhões destinados a 70 municípios prioritários, dos quais 48 já assinaram o termo de adesão; e o endurecimento das regras utilizadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Essas regras incluem a proibição de empréstimos agrícolas a proprietários de terras cujas licenças do Cadastro Ambiental Rural (CAR) — criado para garantir a conformidade com o Código Florestal — foram suspensas ou que infringiram a lei sobre Territórios Indígenas, unidades de conservação e florestas públicas não designadas.

Além disso, o ministério destacou a retomada do Fundo Amazônia, com novos contratos no valor de R$ 1,4 bilhão e novas doações previstas para chegar a R$ 3,1 bilhões. Um plano de ação antidesmatamento semelhante ao PPCDAm foi lançado para o Cerrado. Sobre restauração, citou o Plano Nacional de Restauração da Vegetação Nativa, que visa estender e fortalecer políticas públicas, incentivos financeiros, mercados, tecnologias de restauração e reabilitação e melhores práticas agrícolas, e será atualizado este ano.

Uma área desmatada nas proximidades da Floresta Estadual do Antimary, estado do Acre, Norte do Brasil

 

Segundo Dutra, os próximos passos dos pesquisadores se concentrarão nas perdas econômicas causadas pelo desmatamento, aprofundando ainda mais os dados utilizados no último estudo.

“Estimar o custo do impacto é altamente valioso em nossa visão, especialmente para mostrar que é muito mais barato prevenir do que reconstruir. O Brasil faz muito em termos de respostas a eventos extremos e desastres naturais, mas precisa investir em prevenção”, disse Aragão.

Para Anderson, é necessário mais e melhor diálogo entre instituições federais, estaduais e municipais, o terceiro setor e as comunidades locais. Penalidades por inação ou falha na implementação de planos são outro requisito.

“Nossa capacidade de diálogo é muito limitada”, ele disse. “É dificultada por distorções políticas e fica muito aquém do que pode ser feito tecnicamente para fazer um progresso mais rápido”.


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