O Festival de Parintins é conhecido por transformar a rivalidade entre os bois Garantido e Caprichoso em espetáculo. Mas, em 2025, essa disputa extrapolou a arena cultural e ganhou força como ato político e ambiental. Ao longo de três meses, as torcidas dos bumbás mobilizaram mais de 10 mil pessoas em apoio ao projeto de lei de iniciativa popular Amazônia de Pé, que busca garantir que as áreas públicas da Amazônia Legal sejam destinadas obrigatoriamente à conservação ambiental e à justiça social.

A ação, chamada “Disputa dos Bumbás”, transformou a energia da festa em ferramenta de mobilização. O resultado foi expressivo: o boi azul e branco, Caprichoso, saiu vencedor ao arrecadar mais de 6,5 mil assinaturas, conquistando também o prêmio de R$ 40 mil. O Garantido, tradicional rival, também contribuiu com milhares de apoios, reforçando que, nesta arena simbólica, quem realmente ganha é a floresta.
Mais que prêmio, um compromisso
Para Ericky Nakanome, presidente do Conselho de Arte do Caprichoso, a vitória tem valor que transcende a recompensa financeira. “Legitima o compromisso dos bois de Parintins e, nesse caso em especial, do Boi Caprichoso, com todas as questões referentes às mudanças climáticas, à crise climática”, afirmou.
O gesto das torcidas ecoa como um lembrete de que os bois não são apenas expressões artísticas, mas também movimentos sociais enraizados na vida amazônica. As toadas, as alegorias e a poesia que emocionam milhões todos os anos estão profundamente conectadas ao cotidiano de uma população que enfrenta diretamente os impactos da crise climática e da ausência de políticas públicas consistentes.
O que é o Amazônia de Pé
O projeto de lei de iniciativa popular Amazônia de Pé tem como foco central impedir que as áreas públicas da Amazônia Legal fiquem vulneráveis à grilagem e ao uso irregular. Além de destinar essas áreas obrigatoriamente para fins de conservação e justiça social, a proposta impede que elas sejam registradas por pessoas físicas ou jurídicas no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar). A medida busca travar um dos mecanismos mais comuns de ocupação ilegal de terras na região: o registro sobreposto em áreas que pertencem ao patrimônio público.
Atualmente, a mobilização já ultrapassa 300 mil assinaturas, mas a meta é alcançar 1,5 milhão de apoiadores, número equivalente a 1% do eleitorado brasileiro, distribuído em pelo menos cinco estados, como determina a Constituição. Só assim a proposta poderá ser oficialmente apresentada na Câmara dos Deputados e tramitar como uma lei ordinária.

Segundo Kaianaku Kamaiurá, coordenadora de Incidência do movimento Amazônia de Pé, a contribuição dos bois de Parintins é simbólica e estratégica. “É um recado claro para a sociedade e para o governo. A defesa da floresta e a destinação correta das florestas públicas precisam ser feitas urgentemente, e a voz da Amazônia precisa ser ouvida e respeitada”, destacou.
A coleta das assinaturas, feita de forma física — em pontos de apoio ou pelos Correios —, exige dedicação e mobilização popular. O desafio, que poderia parecer burocrático, ganhou contornos de espetáculo por meio da disputa dos bois. A cada assinatura recolhida, Garantido e Caprichoso transformaram ativismo em celebração, provando que engajamento político também pode nascer da cultura popular.
O episódio revela como a população amazônica não enxerga a floresta apenas como recurso econômico, mas como parte essencial de sua identidade e história. A mobilização em torno do Amazônia de Pé mostra que a luta ambiental está entranhada no cotidiano, nas festas, nas músicas e nos rituais de pertencimento.
A voz da Amazônia no debate nacional
Os números do desafio reforçam que a Amazônia não é apenas palco de disputas culturais ou ambientais, mas também de cidadania. Para Nakanome, a mobilização amplia a compreensão de que a arte dos bumbás é feita de pessoas que vivem os efeitos diretos da crise climática. “Os bumbás não são feitos apenas por arte ou material. São feitos de pessoas que vivem nesse ambiente e sofrem, todos os dias, as consequências de uma crise climática e da falta de políticas públicas”, disse.
A contribuição de Caprichoso e Garantido, portanto, vai além da arena de Parintins: fortalece uma articulação nacional para a defesa da Amazônia, em um momento em que a floresta enfrenta pressões crescentes do desmatamento e da grilagem.
Se a festa dos bois é uma das maiores expressões culturais do Brasil, agora também se consolida como ferramenta política e ambiental. E, dessa vez, o grito que ecoa da arena é uníssono: a Amazônia precisa permanecer de pé.
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