Brasil lança plano para recuperar áreas da Caatinga ameaçadas pela desertificação


A Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, tornou-se um dos símbolos mais evidentes da crise climática e do uso inadequado do solo no país. Adaptada a longos períodos de estiagem, essa paisagem marcada por arbustos retorcidos e solos rasos esconde uma potência ecológica frequentemente subestimada: alta capacidade de estocar carbono, infiltrar água no solo e garantir a recarga de aquíferos no semiárido. Ainda assim, é hoje o bioma mais ameaçado pela desertificação. Diante desse quadro, o governo federal lançou o Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, o PAB-Brasil, que estabelece como meta a recuperação de 10 milhões de hectares de áreas degradadas da Caatinga.

Foto: Glauco Umbelino

Apresentado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o plano integra uma estratégia de longo prazo para enfrentar a perda da capacidade produtiva do solo, restaurar paisagens degradadas e reduzir a vulnerabilidade social nas regiões mais afetadas pela seca. Ao todo, o PAB-Brasil reúne 175 iniciativas que se estendem a todos os biomas brasileiros, com horizonte de implementação até 2045.

A Caatinga no epicentro da desertificação brasileira

A desertificação é definida como o processo de degradação da terra em áreas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultante da combinação entre práticas inadequadas de uso do solo e a intensificação das mudanças climáticas. Segundo dados das Nações Unidas, esse fenômeno ameaça regiões habitadas por bilhões de pessoas em todo o mundo, podendo atingir até 75% da população global nas próximas décadas.

No Brasil, os números revelam a gravidade do problema. Um estudo divulgado pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste aponta que cerca de 18% do território nacional já apresenta risco de desertificação. A área mais vulnerável se concentra no Nordeste, onde vivem aproximadamente 39 milhões de pessoas, muitas delas dependentes da agricultura familiar e de sistemas produtivos altamente sensíveis à irregularidade das chuvas.

Nesse contexto, a Caatinga ocupa posição central. Embora resiliente, o bioma tem sido pressionado pelo desmatamento, pelo sobrepastoreio, pela agricultura extensiva e pelo uso inadequado dos recursos hídricos. O resultado é a perda gradual da fertilidade do solo, a redução da cobertura vegetal e o avanço de áreas improdutivas, afetando diretamente a segurança alimentar e a economia regional.

Um plano para restaurar solos, água e dignidade

O PAB-Brasil surge como resposta articulada a esse cenário. Mais do que um programa ambiental, o plano aposta na chamada restauração socioprodutiva, conceito que integra recuperação ecológica com geração de renda, produção de alimentos e fortalecimento das economias locais. Segundo Alexandre Pires, diretor do Departamento de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, a proposta é reconstruir as bases naturais que sustentam a vida no semiárido, ao mesmo tempo em que se criam oportunidades de trabalho e inclusão social.

A lógica do plano reconhece que a degradação ambiental e a vulnerabilidade social caminham juntas. Onde o solo perde sua capacidade produtiva, aumentam a pobreza, o êxodo rural e a dependência de políticas emergenciais. Ao restaurar áreas degradadas, recompor a vegetação nativa e ampliar a disponibilidade de água, o PAB-Brasil busca interromper esse ciclo, criando condições para um desenvolvimento mais resiliente frente à seca.

As ações previstas incluem desde a recuperação de áreas estratégicas para recarga hídrica até o estímulo a práticas agrícolas adaptadas ao semiárido, com menor impacto ambiental e maior eficiência no uso da água. O plano também dialoga com compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no combate às mudanças climáticas e à degradação da terra.

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Gabriel Carvalho/Setur-BA

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Desertificação avança para além do semiárido

Embora a Caatinga concentre o maior risco, o fenômeno da desertificação já não se limita a esse bioma. De acordo com relatório apresentado no lançamento do PAB-Brasil, áreas do Cerrado e da Mata Atlântica também enfrentam processos avançados de degradação. Pela primeira vez, o Pantanal foi oficialmente incluído entre os biomas com zonas suscetíveis à desertificação, um alerta preocupante para uma das regiões mais biodiversas do planeta.

Esse avanço evidencia que a desertificação não é apenas um problema climático, mas também resultado de escolhas históricas de ocupação do território. A expansão agropecuária sem planejamento, a supressão da vegetação nativa e a fragilidade da governança ambiental ampliam os impactos da seca e reduzem a capacidade de recuperação dos ecossistemas.

Diante desse quadro, o plano incorpora uma abordagem territorial ampla, que reconhece as especificidades de cada bioma e busca soluções adaptadas às realidades locais. A integração entre conservação ambiental e políticas de desenvolvimento regional é apresentada como condição indispensável para enfrentar um problema de escala nacional.

Comunidades no centro da solução

Um dos pilares do PAB-Brasil é a valorização do papel desempenhado por povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares. Esses grupos, reunidos sob a sigla PIPCTAFs, foram incluídos no cadastro de pagamento por serviços ambientais, uma política pública que reconhece e remunera quem contribui para a conservação e a recuperação ambiental.

Segundo Edel Moraes, secretária nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável da Secretaria vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o enfrentamento da desertificação só será possível por meio de ações coletivas, que articulem Estado, ciência e comunidades locais. A inclusão desses grupos no sistema de incentivos busca fortalecer práticas tradicionais de manejo sustentável, muitas vezes mais adaptadas ao semiárido do que modelos produtivos importados de outras regiões.

Entre as iniciativas previstas pelo PAB-Brasil estão a criação de um Sistema de Alerta Precoce de Desertificação e Seca, o apoio financeiro para a elaboração de planos estaduais, a ampliação de unidades de conservação e a recuperação da vegetação nativa para aumentar a conectividade da paisagem. Essas ações visam antecipar riscos, orientar políticas públicas e reduzir os impactos sociais e ambientais da seca.

Ao apostar na recuperação da Caatinga e de outros biomas ameaçados, o Brasil sinaliza que o combate à desertificação não é apenas uma resposta à crise climática, mas uma escolha estratégica sobre o futuro do território e das populações que dele dependem.