A Caatinga e o futuro solar do Brasil


O semiárido brasileiro, marcado pela resistência da vegetação da Caatinga, começa a se tornar também um território de esperança energética. Um estudo divulgado em 18 de setembro pelo MapBiomas, rede que reúne universidades, ONGs e empresas de tecnologia para monitorar o uso da terra no Brasil, mostra que o bioma concentra quase dois terços de todas as usinas fotovoltaicas do país.

Gabriel Carvalho/Setur-BA

Em 2024, mais de 21 mil hectares já estavam ocupados por painéis solares na Caatinga, uma transformação que revela tanto o potencial de liderança da região na transição energética quanto os desafios de conciliar crescimento econômico e preservação ambiental.

Segundo o professor Washington Rocha, coordenador da equipe Caatinga do MapBiomas, o avanço da energia solar no bioma começou com maior intensidade em Minas Gerais. Mas os dados de séries históricas apontam para uma expansão acelerada nos estados nordestinos, atraídos pelo enorme potencial de insolação.

Atlas de energia solar já destacam a região como uma das áreas mais promissoras do mundo para a produção fotovoltaica. Isso explica a migração dos investimentos e o surgimento de polos solares que podem redefinir a matriz energética brasileira.

AdobeStock_433103480-Largo-1536x1020-1-400x266 A Caatinga e o futuro solar do Brasil
Reprodução

SAIBA MAIS: Ipaam lança marco regulatório da energia solar no estado

O dilema da expansão

A corrida por energia limpa, no entanto, não acontece em um vazio. Nos últimos 40 anos, a Caatinga perdeu 14% de sua cobertura vegetal nativa, principalmente pela pressão da agropecuária, que hoje ocupa mais de um terço do bioma. Esse histórico acende o alerta de que o avanço das usinas solares, se não planejado, pode agravar ainda mais a degradação ambiental.

Rocha ressalta que o desafio é duplo: ampliar as áreas conservadas e, ao mesmo tempo, restaurar trechos já degradados. Dessa forma, seria possível garantir que a Caatinga continue funcionando como sistema ecológico vital, sem bloquear as oportunidades de desenvolvimento econômico e social que a energia solar oferece.

O estudo do MapBiomas aponta que a melhor estratégia para conciliar preservação e crescimento é priorizar a instalação das usinas em áreas já degradadas. Essa medida evita o impacto direto sobre a biodiversidade e permite transformar passivos ambientais em ativos para a transição energética.

Atualmente, apenas 10% da Caatinga está protegida em unidades de conservação. A escolha de áreas próximas a esses territórios deve ser feita com cautela, para não comprometer a resiliência do bioma. Com o mapeamento detalhado oferecido pela plataforma, estados e municípios podem planejar projetos energéticos de forma mais integrada à realidade ecológica da região.

O Nordeste como pilar da transição energética

O avanço da energia solar na Caatinga não é apenas uma questão regional, mas nacional. A diversificação da matriz energética é vista como essencial para que o Brasil cumpra seus compromissos climáticos e reduza a dependência de combustíveis fósseis.

Nesse cenário, o Nordeste surge como protagonista. O potencial de insolação, somado à disponibilidade de áreas que podem ser destinadas a usinas solares sem comprometer a conservação ambiental, coloca a região em posição estratégica para liderar a transição.

A Caatinga, historicamente associada à escassez e à resistência, pode se tornar o coração da energia limpa brasileira. Mas, para isso, será preciso planejamento rigoroso, políticas públicas consistentes e uma visão de longo prazo que una ciência, economia e sociedade.

Se bem conduzida, a expansão das usinas solares poderá transformar o bioma em um exemplo mundial de como conciliar preservação e progresso, garantindo que a luz do sol, abundante no semiárido, ilumine também caminhos de sustentabilidade e justiça climática.