O Pará levou à Green Zone da COP30, em Belém, uma vitrine de inovação amazônica que une moradia digna, tecnologia social e reaproveitamento de resíduos. O projeto “Sua Casa COP30 Sustentável”, desenvolvido pelo Governo do Pará por meio da Companhia de Habitação do Pará (Cohab), apresenta ao mundo um modelo de habitação pensado a partir da realidade ribeirinha e das urgências ambientais da Amazônia. Mais do que casas ecológicas, a proposta mira um novo paradigma de política pública: construir com o território, com os materiais da floresta e com a comunidade que nela vive.

O programa está implementando 45 moradias sustentáveis na região das ilhas de Belém, combinando dois formatos que traduzem a identidade amazônica. Parte das unidades mantém a estrutura tradicional de palafitas, solução histórica para lidar com o regime das marés e com áreas sujeitas à influência urbana dos rios. A outra parte adota alvenaria feita com tijolos ecológicos produzidos a partir do caroço de açaí, material abundante na região, mas pouco aproveitado em larga escala. No total, mais de 150 mil tijolos foram fabricados para este piloto, revelando o potencial econômico e ambiental de transformar resíduos em insumo.
A iniciativa nasce de uma parceria entre o governo estadual e o Governo Federal, com atuação conjunta da Cooperativa Mista da Ilha do Combu (Coopmic/CMP). A costura institucional garante não apenas a execução das obras, mas também a articulação com programas federais de habitação, como o Minha Casa, Minha Vida, que pela primeira vez incorpora palafitas em seu escopo oficial.
Para Manoel Pioneiro, diretor-presidente da Cohab, o projeto ressignifica a relação entre habitação social e ambiente. Ele destaca que a proposta não entrega apenas um teto, mas uma moradia integrada ao modo de vida ribeirinho, respeitando a paisagem e ampliando a qualidade de vida das famílias. Na fala do gestor, a dignidade ganha forma por meio de tecnologias simples, acessíveis e adaptadas ao bioma, reafirmando que políticas públicas inovadoras só fazem sentido quando dialogam com quem vai habitá-las.
O tijolo ecológico utilizado nas obras sintetiza essa visão. Criado pelo pesquisador Marco Oliveira, doutor em Engenharia Civil, o material combina caroço, fibra e cinzas de açaí, dispensando o processo de queima. Ao eliminar fornos e reduzir drasticamente o consumo de água, ferro e cimento, a tecnologia se contrapõe às lógicas mais poluentes da construção civil. Segundo Sérgio Soares, engenheiro da Cohab, o uso dos tijolos reduz em até 30% o tempo de obra e corta aproximadamente 40% do gasto com materiais. Além disso, oferece maior conforto térmico, isolamento acústico e capta dióxido de carbono ao longo da vida útil, reforçando o caráter sustentável do modelo.

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A economia de insumos é significativa: redução de 90% no uso da água, de 80% no consumo de cimento e de 50% no uso de ferro, além da eliminação completa de madeira nas paredes estruturais. Esses números evidenciam o quanto a inovação pode mitigar impactos como geração de resíduos, assoreamento e pressão sobre recursos naturais. Na Amazônia, onde a construção tradicional ainda depende intensamente de madeira, alternativas como essa representam um caminho estratégico para equilibrar desenvolvimento e conservação.
Do ponto de vista arquitetônico, as palafitas seguem o padrão do Minha Casa, Minha Vida, com dois quartos, sala e cozinha. Entretanto, ganham um conjunto de soluções complementares: captação e tratamento de água da chuva, energia solar, biodigestores para o esgoto e módulos anexos feitos com o tijolo ecológico. Para Paulo Cohen, da Executiva Nacional dos Movimentos Populares, trata-se de um marco histórico. Ele afirma que são as primeiras moradias em palafitas do programa federal a receber anexos sustentáveis graças ao apoio do Governo do Pará, enfrentando desafios estruturais de longa data nas ilhas da capital.
O projeto também incorpora assistência técnica gratuita para as famílias, assegurada pela Lei Federal nº 11.888/2008. Arquitetos, engenheiros e assistentes sociais acompanham todas as etapas, da concepção à finalização das moradias, garantindo que o processo de construção seja não apenas seguro e eficiente, mas também pedagogicamente orientado. As famílias compreendem, participam e se apropriam das soluções sustentáveis, fortalecendo vínculos comunitários e elevando o grau de pertencimento ao projeto.
Entre as beneficiárias, histórias como a de Adriele Mota, moradora da Ilha do Combu, evidenciam o impacto concreto das obras. Ao celebrar a nova casa, ela destaca o significado de oferecer um ambiente seguro para a chegada de seu segundo filho. A experiência sintetiza o propósito do programa: fazer com que famílias amazônicas tenham acesso à moradia que respeite sua cultura, garanta segurança e se harmonize com a natureza.
O piloto avança rapidamente na região das ilhas, e o Governo do Pará planeja expandir o modelo para outros municípios. A ambição é transformar a inovação em política pública contínua, capaz de fortalecer comunidades tradicionais, gerar renda com a cadeia do açaí, reduzir impactos ambientais e posicionar a Amazônia como território de soluções climáticas — e não apenas de vulnerabilidades.
















































