Boulos defende reconhecimento dos catadores como agentes ambientais


Catadores no centro da agenda ambiental e social

Por décadas, caminhar pelas ruas empurrando um carrinho de recicláveis foi sinônimo de invisibilidade, estigma e preconceito. Na 12ª edição da ExpoCatadores, realizada em São Paulo, essa imagem foi frontalmente contestada pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Guilherme Boulos. Em um discurso marcado por tom político e simbólico, o ministro defendeu que os catadores de materiais recicláveis deixem de ser tratados como subalternos do sistema urbano e passem a ser reconhecidos como aquilo que já são: agentes ambientais indispensáveis ao funcionamento das cidades brasileiras.

Paulo Pinto/Agência Brasil

Ao lado de outros integrantes do governo federal e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Boulos afirmou que a reciclagem no Brasil só existe porque milhares de trabalhadores sustentam, com esforço diário, uma cadeia produtiva que beneficia empresas, governos e consumidores. Ainda assim, esses profissionais seguem à margem do reconhecimento social e institucional.

Para o ministro, o desafio vai além da criação de políticas públicas. Trata-se de romper um imaginário social que associa valor apenas a quem lucra com a reciclagem, ignorando quem efetivamente coleta, separa e encaminha os resíduos. Na visão apresentada no evento, aplaudir os catadores é também reconhecer o serviço ambiental que realizam todos os dias, muitas vezes em condições adversas.

Moradia e crédito como instrumentos de dignidade

O discurso político veio acompanhado de anúncios concretos. Um dos principais foi a confirmação da destinação exclusiva de unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida para catadores e pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo. Segundo Boulos, os primeiros empreendimentos aguardam apenas a emissão do habite-se para serem inaugurados ainda este ano.

A iniciativa está respaldada pela Portaria Conjunta nº 4, de março de 2025, que prevê a reserva de 3% das moradias do programa, na modalidade Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), para a população em situação de rua em 38 municípios brasileiros. Um projeto semelhante também começa a ser estruturado em Nova Lima, em Minas Gerais, indicando a intenção de replicar a política em outras regiões do país.

Além da moradia, o governo federal lançou durante a ExpoCatadores o Programa Nacional de Investimento na Reciclagem Popular (Pronarep). Criado por decreto presidencial, o programa pretende oferecer apoio financeiro, técnico e social às cooperativas e associações de catadores, com foco na economia circular, na inclusão produtiva e na erradicação humanizada dos lixões.

O acesso ao crédito aparece como um ponto central da proposta. Para quem vive a rotina das cooperativas, a falta de capital de giro é um entrave permanente: faltam esteiras, balanças, caminhões e infraestrutura mínima. O Pronarep promete enfrentar esse gargalo com linhas de financiamento de juros quase zero, pensadas para fortalecer a base da reciclagem popular.

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Rovena Rosa/Agência Brasil

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Equipamentos públicos a serviço da reciclagem

Outro avanço anunciado durante o evento foi a assinatura de um decreto que autoriza a doação e cessão de bens da administração pública federal a cooperativas e associações de catadores. A medida busca dar novo destino a equipamentos que, embora substituídos por exigências normativas, ainda estão em pleno funcionamento.

Um exemplo citado por Boulos envolve o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). O instituto é obrigado a substituir periodicamente balanças utilizadas em seus serviços, mesmo quando elas continuam operacionais. Com o novo decreto, esses equipamentos poderão ser destinados gratuitamente às cooperativas, reduzindo custos e ampliando a capacidade operacional dessas organizações.

A ExpoCatadores, realizada no Pavilhão de Exposições do Anhembi, reuniu cerca de 3 mil visitantes ao longo de três dias, com a participação de aproximadamente 600 cooperativas, especialistas, organizações representativas do setor e autoridades públicas. Mais do que uma feira, o evento se consolidou como espaço político de articulação e visibilidade para uma categoria historicamente excluída das decisões que moldam a política urbana e ambiental.

Um país que recicla pouco e depende dos catadores

Os dados apresentados reforçam o contraste entre a importância estratégica dos catadores e a precariedade de suas condições de trabalho. Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base em informações de 2023, mostra que 73,7% dos municípios brasileiros com serviço de limpeza urbana registram a presença de catadores informais. Já as entidades organizadas de catadores atuavam formalmente na coleta seletiva em apenas 27% dos municípios.

Segundo o Atlas Brasileiro da Reciclagem, o Brasil ocupa a quarta posição entre os maiores produtores de resíduos plásticos do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Índia. Cada brasileiro gera cerca de um quilo de plástico por semana. Paradoxalmente, cerca de 90% das embalagens recicladas no país passam pelas mãos dos catadores.

Apesar disso, apenas 6,5% das prefeituras mantêm contratos formais com associações e cooperativas. A consequência é a baixa renda: em 2022, o rendimento médio mensal era de R$ 1.478,82, subindo para R$ 1.730,58 quando havia contrato com o poder público, e caindo para R$ 1.292,01 quando inexistente.

O perfil social da categoria revela desigualdades profundas. Oito em cada dez catadores são negros, mais da metade são mulheres e a maioria tem baixa escolaridade. Sete em cada dez estudaram apenas até o ensino fundamental, e apenas 2% concluíram o ensino superior. A idade média também é mais elevada que a da população brasileira, com 64% acima dos 40 anos.

Ao defender políticas estruturantes e reconhecimento público, o governo sinaliza que a reciclagem não pode continuar sustentada pela precariedade. A valorização dos catadores, como destacou Boulos, não é caridade nem concessão: é o reconhecimento de quem mantém viva uma das engrenagens mais importantes da sustentabilidade urbana no Brasil.