Cerrado precisa estar no centro da COP30 em Belém


Conhecido como o coração das águas do Brasil, o Cerrado é uma savana de importância global, mas que segue invisível nos grandes debates internacionais sobre clima. Às vésperas da COP30, que será realizada em novembro em Belém, especialistas e organizações alertam que não haverá justiça climática sem que este bioma esteja no centro das negociações.

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O Cerrado abriga as nascentes de oito das doze maiores bacias hidrográficas da América do Sul, como os rios São Francisco, Tocantins-Araguaia, Xingu e Paraguai. É dele que fluem as águas que sustentam a Amazônia, o Pantanal, a Caatinga e a Mata Atlântica. Essa posição única faz do bioma um elo vital entre ecossistemas. No entanto, em quatro décadas, já perdeu 40 milhões de hectares de vegetação nativa, segundo a Rede MapBiomas. Hoje, responde por mais da metade de todo o desmatamento registrado no país.

Para Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), essa omissão é alarmante: “Apesar de ocupar quase um quarto do território nacional e ser decisivo para a segurança hídrica, o Cerrado permanece fora do centro das negociações climáticas. Sem Cerrado, não há Amazônia, não há água, não há segurança climática.”

Um bioma sob ameaça constante

Um estudo publicado na revista Sustainability mostra que cerca de 50% da vegetação nativa original já foi perdida. Isso compromete a capacidade do Cerrado de regular o clima, sustentar a biodiversidade e manter a vazão dos rios. Projeções indicam que, se a destruição continuar no mesmo ritmo, a vazão hídrica pode cair até 35% até 2050. O impacto seria devastador: maior risco de escassez de água, crises energéticas e perdas expressivas na produção de alimentos.

Apesar de sua relevância, o Cerrado segue sendo o bioma menos protegido por leis e políticas públicas. Entre mais de 30 mil projetos que tramitam no Congresso Nacional, apenas oito tratam diretamente de sua conservação. Em contrapartida, a pressão do agronegócio, da mineração e da expansão urbana segue avançando sobre áreas de nascentes e veredas.

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Cultura e ciência em defesa da savana brasileira

Para enfrentar essa invisibilidade, o ISPN lançou a série de documentários “Cerrado, Coração das Águas”, disponível no YouTube. O material dá voz a povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, revelando como o Cerrado conecta biomas, alimenta rios vitais e sustenta modos de vida que historicamente protegem a natureza.

A campanha vai além das telas. Inclui o portal cerrado.org.br, materiais educativos e ações culturais em Brasília e na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Nas ruas da capital federal, lambe-lambes colados em pontos estratégicos lembram: “Sem Cerrado não há água, e sem conservação não há soberania.”

Durante o XI Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, o Coletivo Transverso transformou poesia em protesto, com uma performance de “bazuca poética” que projetou frases em grande escala no espaço urbano, ampliando o chamado à valorização da savana e dos povos que a habitam.

Cerrado e Amazônia: biomas interdependentes

A invisibilidade política do Cerrado torna-se ainda mais grave quando se reconhece sua relação direta com a Amazônia. O equilíbrio hídrico e climático da floresta depende dos rios que nascem na savana. Como explica Isabel Figueiredo, “Amazônia e Cerrado são ecossistemas interdependentes. Se um cai, o outro cai junto.”

Os números são contundentes: juntos, Cerrado e Amazônia responderam por 83% do desmatamento nacional em 2024. O primeiro ocupa 23% do território brasileiro e é considerado a savana mais biodiversa do planeta, com mais de 12 mil espécies catalogadas. Ainda assim, segue relegado a segundo plano nas políticas públicas e na diplomacia climática.

A urgência da centralidade na COP30

Às portas da COP30, incluir o Cerrado na agenda central das negociações climáticas não é apenas uma questão de justiça ecológica, mas de sobrevivência. Sem ele, o Brasil perde sua segurança hídrica, compromete a geração de energia e ameaça a soberania alimentar. E o mundo perde uma das maiores reservas de biodiversidade da Terra.

O Brasil, anfitrião da conferência, tem diante de si a oportunidade de colocar o Cerrado na mesma linha de prioridade que a Amazônia. A COP30 pode se tornar um marco de integração entre os biomas, reconhecendo que proteger a floresta exige também proteger a savana.

No coração das águas, pulsa o futuro do país.