O verão chegou e, com ele, as chuvas da estação que causam o aumento anual dos casos de doenças transmitidas por mosquitos, especialmente dengue, zika e chikungunya. No entanto, uma solução simples e eficaz foi desenvolvida pelo pesquisador da Embrapa Cocais, Luiz Carlos Guilherme, que tem mostrado resultados positivos na diminuição ou eliminação do mosquito Aedes aegypti, responsável pela proliferação dessas doenças.
Uma descoberta promissora
Em 2001, durante seu doutorado em GenĂ©tica e BioquĂmica pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Guilherme coordenou uma pesquisa para evitar que aquários e tanques se tornassem criadouros de mosquitos transmissores de doenças. Foi comprovada a eficácia dos lebistes – peixes larvĂłfagos predadores de larvas dos mosquitos conhecidos popularmente como barrigudinho ou guppy – no controle biolĂłgico do Aedes aegypti. As larvas se mostraram um alimento de alta qualidade para os peixes.
Esta descoberta permitiu a diminuição do uso de larvicida com a introdução do peixe em locais onde o larvicida nĂŁo era eficaz ou havia alta incidĂŞncia do mosquito. “A medida tambĂ©m tem impactos socioeconĂ´micos e ambientais, uma vez que o controle quĂmico Ă© mais oneroso e tem efeito cumulativo e mutagĂŞnico nos organismos vivos, pessoas e biodiversidade”, completa o pesquisador.
O Projeto Dengoso
Com o sucesso do uso do barrigudinho, em 2002 foi iniciado, em Uberlândia, o Projeto Dengoso, uma ação de saĂşde pĂşblica e cidadania em parceria com o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) para realizar o controle biolĂłgico das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti e outros mosquitos patĂłgenos. Com a mudança do pesquisador para a ParnaĂba – PI, a tecnologia tambĂ©m foi disponibilizada para o CCZ da cidade em 2010. Outros municĂpios, como Campo Maior – PI e Tobias Barreto – SE adotaram depois o Projeto Dengoso para reduzir o nĂşmero de focos de dengue.
Eficácia comprovada
O Projeto Dengoso consiste no controle biológico de larvas de mosquitos em diferentes reservatórios de água. O controle biológico com o uso de predadores naturais é uma alternativa que pode ser utilizada sem grandes custos e pouca mão de obra. O uso de peixes é eficiente no controle dos mosquitos, principalmente nas fases de vida aquática do inseto, substituindo, em alguns casos, o uso do inseticida.
O resultado Ă© a promoção da saĂşde e o combate a vetores do vĂrus da Dengue, Zika, Chikugunya e Febre amarela e impacta positivamente comunidades inteiras, principalmente bairros com grandes áreas alagáveis. ApĂłs o povoamento com o peixe, os agentes de endemias observam, especialmente num raio de aproximadamente 100 metros, uma menor incidĂŞncia de mosquitos e notadamente uma diminuição nos casos das doenças.
Implementação no PiauĂ
No PiauĂ, o projeto Ă© desenvolvido na Universidade Estadual do PiauĂ (UESPI) – Campus Alexandre Alves de Oliveira, onde os peixes sĂŁo reproduzidos e mantidos em tanques. ApĂłs isso, estes peixes sĂŁo distribuĂdos em locais onde o veneno nĂŁo Ă© eficaz, a exemplo das lagoas de tratamento e estabilização de efluentes de algumas indĂşstrias, em recipientes de grande porte – como bebedouros de animais – piscinas desativadas, cascatas e outros ambientes semelhantes. A iniciativa tem a colaboração do Centro de Controle de Zoonoses e Endemia – CCZ de ParnaĂba e Embrapa Cocais, garantindo uma abordagem conjunta e coordenada, e incluem ações educativas interativas, como realização de peças de teatros em escolas pĂşblicas e privadas do Ensino Fundamental e MĂ©dio para conscientizar discentes e docentes da importância do combate aos vĂrus transmissores de doenças e ainda estratĂ©gias de ensino para levar informações de forma lĂşdica a estudantes de escolas pĂşblicas, para que possam ser agentes de intervenção nas comunidades onde vivem.
“É uma abordagem inovadora e sustentável no controle de larvas de mosquitos. O uso de barrigudinhos como mĂ©todo biolĂłgico tem se mostrado eficaz no controle de larvas de mosquitos em locais propensos a alagamentos, onde a ação do larvicida pode apresentar limitações e na significativa redução na incidĂŞncia de mosquitos, abrangendo nĂŁo apenas o Aedes aegypti, transmissor de doenças como Dengue, Zika e Chikungunya, mas tambĂ©m outros mosquitos, comumente chamados de “muriçocas”. O projeto utiliza barrigudinhos coletados localmente, evitando a introdução de peixes de outras bacias e mantendo a biodiversidade local. O pesquisador Luiz Guilherme, da Embrapa Cocais, orienta a reprodução e manutenção dos barrigudinhos nos tanques da UESPI e CCZ, assegurando um suprimento constante de peixes para a continuidade do projeto. Nas escolas onde as ações educativas foram implementadas, há relatos positivos de adoção de práticas de prevenção pela comunidade escolar”, relata Alessandra Torres, professora da UESPI que coordena a ação no PiauĂ em conjunto com a equipe acadĂŞmica da área de CiĂŞncias BiolĂłgicas.
Em Minas Gerais, o Projeto Dengoso Ă© uma prática constante no programa de controle dos Aedes. O projeto consiste na introdução do peixe barrigudinho em reservatĂłrios de água, como piscinas abandonadas ou nĂŁo cloradas, tanques, caixas d’água, tanques de decantação e áreas com água de baixa oxigenação. “A resistĂŞncia desses peixes Ă© notável. Em Uberlândia, aproximadamente 592 locais sĂŁo constantemente monitorados, onde os lebistes sĂŁo implantados. AlĂ©m disso, quando necessário, retiramos esses peixes desses locais bem-adaptados e altamente reprodutivos para colocá-los em uma plataforma na Unidade de Vigilância em Zoonoses do municĂpio. Isso permite a redistribuição para outros criadouros que possam surgir posteriormente. O Projeto Dengoso se tornou instrumento valioso no controle vetorial, pois onde os peixes sĂŁo implantados, a presença de focos do mosquito Ă© significativamente reduzida. Esse ĂŞxito proporciona mais tempo para a inspeção de outros imĂłveis que necessitam de controle, fortalecendo assim as medidas de prevenção contra o Aedes aegypti”, detalha Ana Paula Quirino, chefe da CCZ.