Brasil quer criar fórum para debater impactos climáticos no comércio global


O governo brasileiro prepara uma proposta ambiciosa para o cenário internacional: a criação de um novo fórum destinado a debater como políticas climáticas afetam o comércio. A ideia surge diante de um impasse que já dura anos entre a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), nenhum dos quais assumiu até hoje a liderança no enfrentamento dessa questão sensível.

Barrett Ward/Unsplash

O tema ganha urgência com o avanço de medidas ambientais da União Europeia (UE), que têm provocado queixas de países em desenvolvimento. Entre elas estão a lei que restringe importações ligadas ao desmatamento, prevista para entrar em vigor em dezembro, e o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira, o chamado “carbon border tariff”, que, a partir de janeiro, imporá taxas sobre emissões de CO₂ embutidas em produtos como aço e cimento importados.

O conflito entre comércio e clima

Na visão de países emergentes como Brasil, Índia e África do Sul, a UE estaria usando a agenda climática como justificativa para criar novas barreiras comerciais. Essas nações argumentam que, embora defendam o combate às mudanças climáticas, as medidas europeias acabam penalizando produtores de países em desenvolvimento, que enfrentam custos maiores para se adequar às exigências ambientais.

Até agora, as tentativas de inserir o tema nas negociações climáticas da ONU fracassaram diante da resistência europeia, que insiste em manter a discussão na esfera da OMC. Por outro lado, a OMC também não dispõe de instrumentos próprios para lidar com a complexidade da transição energética e das regulações ambientais globais. É nesse vácuo que o Brasil quer se posicionar.

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Vista do Parque da Cidade – REUTERS/Marx Vasconcelos/File Photo

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Proposta brasileira em construção

A iniciativa deverá ser apresentada pelo diplomata André Corrêa do Lago, presidente da COP30, durante o Fórum Público anual da OMC. A meta é reunir apoio suficiente para que o novo espaço de diálogo já esteja formalizado quando Belém, no Pará, receber a conferência climática em novembro de 2025.

Segundo fontes ligadas às negociações, o fórum teria dois grupos de trabalho permanentes: um dedicado às interações entre comércio e clima e outro voltado à transição energética. A ideia é garantir encontros periódicos, pelo menos a cada trimestre, reunindo representantes governamentais tanto da área de comércio quanto da área climática.

Esse arranjo busca superar um problema recorrente: as negociações comerciais e climáticas raramente acontecem no mesmo espaço institucional, o que dificulta a construção de soluções integradas.

A posição europeia

A União Europeia afirma que suas medidas não configuram barreiras comerciais, mas mecanismos para garantir condições de igualdade entre seus fabricantes — que já arcam com custos significativos relacionados à emissão de gases de efeito estufa — e produtores estrangeiros. Em documentos internos, como o rascunho do mandato de negociação da UE para a COP30, Bruxelas se mostra aberta a debater os impactos internacionais de suas políticas ambientais, mas prefere fazê-lo de forma bilateral, no âmbito da OMC ou em “outros fóruns apropriados”.

Na prática, a postura europeia mantém em aberto a disputa sobre qual será o espaço legítimo para tratar do tema.

Caminhos possíveis

Especialistas em comércio e clima destacam que o fórum proposto pelo Brasil pode representar um marco, criando um canal de diálogo menos polarizado e mais pragmático. Entre os resultados possíveis estão a criação de ferramentas comuns de rastreabilidade do desmatamento, acessíveis a pequenos produtores, e a definição de parâmetros globais mais equilibrados para a aplicação de tarifas ambientais.

Para o Brasil, a iniciativa tem também um caráter estratégico: reforçar seu papel de liderança no Sul Global e projetar-se como mediador entre blocos de interesses divergentes. Com a presidência da COP30, o país se coloca em posição privilegiada para propor novos arranjos institucionais que reflitam as realidades de países em desenvolvimento.

Comércio verde: desafio central da próxima década

À medida que políticas climáticas se multiplicam em diferentes regiões do planeta, a intersecção entre clima e comércio tende a se tornar uma das principais arenas de disputa do século XXI. De um lado, há a necessidade de acelerar a descarbonização global. De outro, persiste o risco de que tais medidas aprofundem desigualdades históricas no sistema de comércio internacional.

A proposta brasileira nasce, portanto, de uma constatação: não há mais espaço para tratar essas duas agendas de forma isolada. Um fórum dedicado ao tema pode ser não apenas uma instância de negociação, mas também um laboratório de soluções para um mundo que precisa conciliar transição verde com justiça econômica.