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Entre os galhos densos das matas brasileiras, um dos primatas mais inteligentes do nosso continente exibe um comportamento que já foi considerado exclusivo dos humanos: o uso de ferramentas. O macaco-prego, com sua expressão curiosa e mãos habilidosas, aprendeu a utilizar pedras para conseguir alimento de maneira surpreendente. Essa estratégia engenhosa revela muito mais do que apenas adaptação: ela nos leva a repensar o que sabemos sobre inteligência animal.
É fascinante observar como o macaco-prego (do gênero Sapajus) desenvolveu a habilidade de usar pedras como martelos e bigornas naturais para quebrar alimentos duros, como castanhas, sementes e até caramujos. Esse comportamento, chamado de “litoclastia”, foi documentado por pesquisadores em várias regiões do Brasil, especialmente no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí.
Com precisão impressionante, o macaco escolhe uma pedra de formato ideal, coloca o alimento sobre uma rocha maior e o golpeia repetidamente até conseguir acessá-lo. Eles fazem isso com técnica apurada, usando força suficiente para quebrar a casca, mas sem danificar a parte comestível.
O mais intrigante é que esse comportamento não é instintivo — ele é aprendido. Filhotes observam os adultos por muito tempo até dominar o uso das pedras. Os jovens passam anos testando, errando e imitando os mais experientes. Isso configura um verdadeiro processo de transmissão cultural, algo antes atribuído quase exclusivamente aos humanos e grandes primatas, como chimpanzés.
Em outras palavras, o conhecimento sobre as ferramentas é herdado não geneticamente, mas socialmente. Cada grupo de macaco-prego pode, inclusive, desenvolver variações técnicas próprias, como o uso de suportes diferentes ou tipos específicos de pedra — o que dá indícios de uma forma rudimentar de “tradição” entre grupos.
Ao contrário do que muitos poderiam imaginar, o macaco-prego não usa qualquer pedra que encontra pelo caminho. Ele avalia o peso, a forma e a textura do objeto antes de decidir se ele é adequado para o trabalho. Algumas pedras, inclusive, são levadas de um local a outro e reutilizadas, mostrando uma espécie de planejamento.
Já foram encontrados “locais de processamento”, onde pedras e restos de alimentos quebrados indicam que o local é utilizado há muito tempo como “cozinha” coletiva pelos membros do grupo. É um exemplo claro de organização e uso consciente de ferramentas no mundo selvagem.
O uso das pedras abriu portas na dieta do macaco-prego. Alimentos que antes eram inacessíveis devido à casca dura ou ao risco de ferimentos agora fazem parte do cardápio. Castanhas-de-caju, coquinhos de palmeira e até pequenos crustáceos são explorados com maior frequência.
Essa ampliação da dieta traz benefícios diretos para a sobrevivência da espécie, especialmente em ambientes com escassez de recursos. Ao explorar fontes nutritivas que outras espécies ignoram, o macaco-prego aumenta sua competitividade ecológica.
O comportamento dos macacos-prego desafia antigas concepções da ciência. A ideia de que apenas os humanos e grandes primatas africanos seriam capazes de criar e transmitir cultura caiu por terra. A observação de macacos sul-americanos usando ferramentas coloca em xeque as fronteiras entre o que chamamos de instinto e o que chamamos de cultura.
Essa descoberta levou pesquisadores a reavaliar o papel da cognição animal, da memória, da criatividade e até da empatia entre espécies não humanas. O que antes parecia um privilégio do Homo sapiens, agora surge como uma característica mais amplamente distribuída na árvore da vida.
Sim, mas o macaco-prego se destaca. Corvos usam galhos para alcançar insetos escondidos, lontras utilizam pedras para abrir conchas e até elefantes manipulam galhos para espantar mosquitos. No entanto, o grau de refinamento e a repetição cultural observada nos macacos-prego tornam seu comportamento especialmente notável.
Eles não apenas usam ferramentas, mas ensinam, praticam, compartilham e até preferem certos tipos de material, em padrões que lembram o início da evolução tecnológica humana.
Se você vive próximo a áreas de mata no Brasil, especialmente no Cerrado e na Caatinga, há uma chance de encontrar esses pequenos gênios da floresta em ação. É comum vê-los em grupos, com olhares atentos e movimentos estratégicos, escolhendo as melhores pedras e alimentos disponíveis.
Observar um macaco-prego em atividade é testemunhar um processo de criatividade natural em tempo real. Mais do que um espetáculo da natureza, é um lembrete de que inteligência e cultura podem estar presentes mesmo onde menos esperamos — entre folhas, galhos e rochas.
O desafio agora é proteger essas espécies e seus habitats. Afinal, ao preservar o macaco-prego, estamos preservando não apenas um animal, mas uma forma de conhecimento viva e pulsante no coração da floresta.
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