O rascunho da carta final da COP30 revela um esforço coletivo para recolocar o mundo na trilha de limitar o aquecimento global a 1,5°C e, ao mesmo tempo, redefinir o sentido político da transição climática. O documento, apresentado em Belém, opera como um mapa das escolhas urgentes que governos, sociedade civil, comunidades tradicionais e cientistas insistem que não podem mais ser adiadas.

A primeira mensagem é inequívoca: a meta estabelecida no Acordo de Paris continua possível, mas apenas se o planeta adotar calendários claros, mecanismos verificáveis de implementação e, sobretudo, decisões vinculantes para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. O texto sublinha que ainda há margem para manter vivo o limite de 1,5°C, desde que países reorganizem suas economias com base em justiça climática, ciência e responsabilidade histórica.
O rascunho também reafirma a centralidade do IPCC ao indicar que o mundo precisa alcançar emissões líquidas zero até a metade do século. Isso inclui uma transição energética que abandone o carvão, reduza drasticamente petróleo e gás e garanta que regiões dependentes da cadeia fóssil não sejam deixadas para trás. A transição, diz o documento, deve nascer como pacto social, e não como ruptura abrupta.
Para que isso se concretize, financiamento climático aparece como o eixo de sustentação de todo o acordo. O documento argumenta que sem recursos previsíveis, adequados e acessíveis, não existe transição justa. Mecanismos de mitigação, adaptação e compensação por perdas e danos precisam ser expandidos, com atenção redobrada a iniciativas lideradas por povos indígenas e comunidades tradicionais. A crítica é clara: os regimes de financiamento existentes são lentos, burocráticos e incapazes de responder à escala das crises já em curso.
Nesse ponto, o rascunho defende que a COP30 consolide o recém-criado Fundo de Perdas e Danos, garantindo que comunidades atingidas por enchentes, secas ou outros eventos extremos tenham acesso direto a recursos destinados à reconstrução. A ideia é substituir a lógica da “ajuda tardia” por um sistema global de proteção social climática.
A adaptação climática, geralmente colocada em segundo plano, ganha destaque inédito. O documento propõe que ela tenha o mesmo peso político da mitigação, com um quadro global robusto de indicadores, parâmetros de avaliação e instrumentos capazes de orientar investimentos duradouros. Isso envolve repensar infraestrutura urbana e rural, redes de abastecimento hídrico, sistemas de saúde, segurança alimentar, proteção costeira e redução de riscos de desastres.

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Outra ênfase recorrente é o papel de povos indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais. O documento afirma que suas práticas e modos de vida são indispensáveis para manter florestas em pé, proteger a biodiversidade e fortalecer a resiliência climática. Por isso, reforça a necessidade de ampliar sua participação nos espaços formais da ONU e consolidar direitos territoriais como condição inegociável. A consulta livre, prévia e informada surge como pilar da justiça climática.
O texto também destaca que a transição energética não pode ser apenas tecnológica; deve ser social. Isso significa apoiar trabalhadores e regiões que dependem da economia fóssil e garantir que energias renováveis, redes de transmissão e sistemas descentralizados atendam áreas historicamente negligenciadas, como a Amazônia.
A agenda do comércio internacional aparece como outro eixo estratégico. O rascunho recomenda alinhar regras comerciais a metas climáticas e de biodiversidade, para evitar que fluxos comerciais incentivem desmatamento ou exploração predatória. Países em desenvolvimento devem ter acesso ampliado a mercados sustentáveis e tecnologias limpas.
Por fim, o documento menciona a urgência de transformar sistemas alimentares, impulsionar agricultura sustentável, restaurar ecossistemas e fortalecer soluções baseadas na natureza. Em tom direto, afirma que o multilateralismo está diante de seu teste mais complexo: provar que ainda é capaz de gerar respostas reais à emergência climática.
Belém emerge como símbolo dessa virada. A cidade, porta de entrada para a floresta amazônica e território de povos guardiões da biodiversidade, é apresentada como palco ideal para reafirmar que não há saída para a crise climática sem justiça, equidade e participação popular. A COP30, conclui o documento, precisa marcar o início de uma nova relação entre humanidade e natureza — uma relação orientada pelo cuidado, pelo conhecimento e pela responsabilidade compartilhada.


















































