Em novembro, a Amazônia brasileira se transformará no centro do debate climático mundial. A 30ª Conferência das Partes (COP30), marcada para ocorrer de 10 a 21 de novembro em Belém (PA), será a primeira sediada em uma região de floresta tropical. Quando completam-se dez anos da assinatura do Acordo de Paris, o evento será palco de tensões, ambições e contradições: os prazos são repetidamente descumpridos, e a urgência para agir cresce em meio a atrasos e lacunas de compromisso. Ao lado da cúpula oficial, acontecerá a Cúpula dos Povos — espaço de articulação de organizações sociais, povos indígenas e movimentos populares que exigem que promessas se transformem em medidas concretas.
Embora as negociações entre Estados continuem no cerne da COP, a Cúpula dos Povos buscará “pressionar os governos” para fazer valer as vozes de quem protege a terra e sofre primeiro com os impactos da crise climática, segundo Francisco Kelvim, da comissão organizadora da mobilização social.
O mecanismo COP foi criado logo após a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, com o objetivo de gerar espaço formal de negociação entre países para mitigar os impactos ambientais do aquecimento global. A primeira edição ocorreu em 1995, em Berlim, e desde então ocorre anualmente como fórum diplomático. Hoje, num contexto cada vez mais fragmentado e polarizado, sua relevância é questionada por muitos — mas sua função de reunir Estados e sociedade continua essencial.
No horizonte desta COP30 estão temas como financiamento climático, mitigação e adaptação, transição energética justa e a revisão das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que marcam o compromisso de cada país para a redução de gases de efeito estufa. Há também a expectativa de que as decisões tomadas em Belém reflitam um balanço global das ações climáticas nos dez anos após o Acordo de Paris.
Um decênio de compromissos não cumpridos
Doze anos se passaram desde o Acordo de Paris, cujo objetivo mais ambicioso é limitar o aquecimento global a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais. No entanto, os progressos até agora registram um cenário alarmante: segundo o Observatório do Clima, os planos atualmente submetidos levariam a um aquecimento de 2,7 ºC, quase o dobro da meta. Os países ainda não elevaram suas ambições de modo suficiente, e muitos sequer apresentaram novas NDCs para o período pós-2030. A carta conjunta das presidências das COP28, COP29 e COP30 convocou os países a ampliarem essas metas, propondo que os cortes globais de emissão atinjam 43% até 2030 e 60% até 2035.
O Brasil, por sua vez, afirma que seguirá avançando no cumprimento de metas e na mobilização internacional. Durante a COP, será lançado oficialmente o recém-proposto Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), iniciativa nacional que pretende mobilizar recursos globais para conservar florestas tropicais em pé e transferir pagamentos por esse serviço ambiental. Essa proposta já vem sendo gestada nos últimos anos, e o governo brasileiro anunciou aporte inicial de US$ 1 bilhão ao fundo.

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Transição energética, desigualdades e vozes excluídas
A transição energética, tema central em Belém, traz consigo uma tensão sistêmica: quem transita e quem paga o custo dessa mudança? Países do Norte Global defendem a eliminação progressiva de combustíveis fósseis e investem em mobilidade elétrica, enquanto países do Sul muitas vezes dependem desses combustíveis para sua matriz energética. Isso impõe pressão sobre ecossistemas ricos em minerais essenciais (como lítio, cobalto e terras raras), cujas extrações podem gerar impactos ambientais e sociais profundos, sobretudo sobre comunidades locais. A definição de “justiça” nessas transições será um dos grandes campos de disputa na COP30.
Durante as negociações preparatórias em Bonn, elaborou-se uma “nota informal” que sugere incluir direitos humanos, direitos laborais, participação indígena e perspectiva de gênero nos instrumentos de transição justa. Espera-se que Belém avance não apenas na retórica, mas na implementação concreta desses princípios.
Financiamento climático e a armadilha dos empréstimos
Um ponto decisivo da agenda será o cumprimento do Artigo 9 do Acordo de Paris, que obriga países desenvolvidos a prover financiamento climático aos países em desenvolvimento. Até hoje, esse financiamento ainda é insuficiente e bastante condicionado. Em muitos casos, ele assume a forma de empréstimos, aumentando a dívida dos países beneficiados.
Na COP29, foi elaborada a “Rota de Baku a Belém”, que define uma meta de mobilização de US$ 1,3 trilhão anuais para financiamento climático global. Contudo, até agora, não houve consenso político sobre quem deve contribuir — países em desenvolvimento mais ricos ou exclusivamente os países de maior renda. Durante o Sexto Diálogo de Alto Nível sobre Financiamento Climático, ficou evidente que o apoio à adaptação continua escasso, mesmo diante de tensões climáticas crescentes. Procedimentos como “canjes de dívida pela natureza” e emissão de “green bonds” foram apontados como possibilidades para liberar margens orçamentárias para ações climáticas.
Controvérsias e crítica ao modelo do TFFF
A ambiciosa proposta do TFFF também enfrenta críticas. Organizações como o Movement for the World’s Rainforests (WRM) denunciam que o modelo se aproxima do antigo REDD+ e pode repetir violações de direitos indígenas, falta de transparência e captura financeira. O WRM alerta que recursos podem não chegar às comunidades locais, e que o mecanismo fomentará mais dívida para países do Sul ao privilegiar retorno para investidores especulativos. Eles afirmam que esse tipo de financiamento, embora promissor, permanece subordinado à lógica de mercado capitalista.
Além disso, há riscos de duplicidade com os mercados voluntários de carbono, de concorrência entre fundos e de centralização de poder em instâncias financeiras. A governança, transparência e salvaguardas sociais serão pontos delicados de negociação.
Uma Cúpula paralela para alternativas reais
Em Belém, paralelamente à COP30, vai ocorrer a Cúpula dos Povos (de 12 a 16 de novembro). Até o momento, 1.000 entidades e comunidades são esperadas para demandar caminhos alternativos ao modelo extrativista e ao capitalismo global. Entre os temas de debate: soberania territorial e alimentar, justiça climática, resistências indígenas, mobilidade social, desigualdade e energias comunitárias. No dia 15, está previsto um chamado global à ação climática.
Kelvim sintetiza assim: “Não basta reformar o modelo produtivo; é urgente interromper essa lógica que concentra riqueza e destrói territórios. Os que mais sofrem precisam protagonizar a nova economia”.
A COP30 chegará carregada de expectativas, riscos e desafios. Se por um lado espera-se avanço técnico e financeiro, por outro a legitimidade social e os direitos das comunidades serão testados. Afinal, a crise climática exige mais que discursos: exige justiça, ação e transformação real.










































