A nona jornada da COP30, em Belém, terminou marcada por expectativa, atrasos e uma coreografia complexa de disputas políticas. A tão aguardada “entrega antecipada” do pacote de decisões ‒ prometida pela presidência brasileira para a noite de quarta-feira ‒ não se confirmou. Os textos atualizados agora são esperados apenas para a manhã de quinta, sinalizando que o consenso segue distante.

Durante o dia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se lançou a uma série de encontros de alto nível com delegações da União Europeia e da China, enquanto o secretário-geral da ONU António Guterres conduzia suas próprias bilaterais. À noite, Lula discursou enfatizando que a COP30 é “uma conferência como nenhuma outra” e reforçou uma mensagem voltada ao desequilíbrio histórico das responsabilidades climáticas: países ricos precisam apoiar financeiramente as nações mais pobres. Cuidar do clima, disse, “é reconhecer que todos têm responsabilidade”, especialmente em torno do esforço brasileiro para um roteiro global de transição dos combustíveis fósseis.
Mas nos bastidores, o que se vê é a dificuldade em alinhar posições sobre comércio, financiamento climático e o desenho do próprio “roadmap” da transição. Brasília tenta arrancar um acordo capaz de simbolizar um avanço antes do encerramento formal da cúpula — algo que, por ora, ainda é incerto.
Pressão por um roteiro da transição fóssil
Antes do discurso presidencial, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, confirmou que Lula dedicou sua rodada de bilaterais à ambição climática, à transição justa e à adaptação. Reconheceu, porém, que há “complexidades” e que as respostas brasileiras ainda são procedimentais, não definitivas. Para ela, qualquer roteiro deve conter linguagem que proteja países em desenvolvimento e estabeleça maior responsabilidade aos grandes emissores históricos.
O debate ganhou novo impulso após a apresentação da proposta europeia de um “Mutirão Roadmap”, com o comissário de clima, Wopke Hoekstra, afirmando ter transmitido a Lula que esse processo seria decisivo para o sucesso simbólico de Belém.
China e Rússia travam a pauta dos minerais críticos
Em outro eixo da negociação, emergiu um impasse inesperado: a inclusão de minerais essenciais para a transição energética no texto do Programa de Trabalho para Transição Justa. Pela primeira vez na história das COPs, o rascunho trazia referências explícitas aos riscos sociais e ambientais da mineração de insumos centrais para baterias, painéis solares e turbinas eólicas.
China e Rússia, porém, querem retirar esse trecho. Pequim resiste a todo tipo de menção aos minerais; Moscou se opõe especialmente à referência às recomendações de um painel convocado pelo secretário-geral da ONU, que defende que os direitos humanos sejam a espinha dorsal da mineração para a transição.
Ativistas tentaram entregar uma carta ao negociador-chefe da China, Xia Yingxian, pedindo que o país apoie a inclusão do tema, ressaltando seu peso global na cadeia de suprimentos — a China domina mais de 70% do lítio refinado, 78% do cobalto e mais de 90% das terras raras. Xia recusou o documento e deixou o local rapidamente.

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A posição chinesa sobre a transição energética
Horas antes, também sob forte chuva que ecoava pelo pavilhão, Xia havia dado pistas de como a China busca moldar a discussão sobre a transição. Disse apoiar uma jornada conjunta rumo às renováveis e sugeriu que narrativas negativas sobre “abandono” de fósseis poderiam ser substituídas por discursos de prosperidade e oportunidade — um reposicionamento que, segundo ele, ajudaria a “unir” países.
Embora Pequim não tenha assumido publicamente posição sobre o roteiro global para combustíveis fósseis, cresce a pressão: mais de 80 países já defenderam que esse processo seja um dos resultados centrais de Belém.
Roteiro para zerar o desmatamento avança a passos lentos
Enquanto o debate sobre fósseis ganha escala, o roteiro para acabar com o desmatamento — promessa feita por Lula na abertura da conferência — caminha devagar. Apenas 42 países manifestaram apoio explícito, número bem menor do que o grupo mobilizado para o roadmap fóssil.
O rascunho atual prevê apenas a possibilidade de organizar um diálogo ministerial sobre roadmaps nacionais, algo considerado tímido por especialistas e governos de países florestais. Para o negociador panamenho Juan Carlos Monterrey, se a COP sediada na Amazônia não produzir esse compromisso, dificilmente ele virá depois.
América Latina pede definição de indicadores de adaptação
Outra frente crítica envolve as métricas do Objetivo Global de Adaptação. Países latino-americanos defendem que a COP finalize agora o conjunto de indicadores, enquanto nações africanas condicionam o avanço a um compromisso firme dos países ricos com a ampliação do financiamento para adaptação — para eles, sem recursos, métricas não significam nada.
O pacote “Mutirão”, articulado pelo Brasil, inclui opções para criar uma meta financeira específica para adaptação. Ministros latino-americanos insistiram que, após dois anos de trabalho técnico, não há espaço para adiar a conclusão do texto.
Controvérsia sobre gênero atinge o coração das negociações
Por fim, a disputa mais simbólica do dia envolveu o Plano de Ação de Gênero. A nova versão do documento surgiu com seis notas de rodapé apenas para discutir a definição de “gênero”, após pressões de países como Paraguai, Argentina, Irã e representantes do Vaticano. Rússia, Arábia Saudita e Irã articulam substituir “gênero” por “mulheres e meninas”, uma mudança que organizações feministas veem como retrocesso deliberado.
A ex-presidenta irlandesa Mary Robinson classificou a ofensiva como “cruel”, e ativistas acusam uma coordenação global para limitar referências a direitos humanos em diferentes áreas das negociações.
Para Michelle Ferreti, do Instituto Alzira, o governo brasileiro também será julgado por essa pauta: “Lula foi eleito principalmente pelas mulheres. É hora de honrar quem o colocou no poder.”













































