Mulheres exigem que justiça climática inclua justiça de gênero


O Dia de Gênero na COP30, realizado nesta quarta-feira em Belém, recolocou as mulheres no centro do debate climático global. A pauta, que costuma circular de maneira paralela às grandes negociações, ganhou protagonismo ao reunir autoridades, pesquisadoras, lideranças comunitárias e representantes de organismos internacionais que insistem em uma mensagem simples, mas ainda negligenciada: não há justiça climática possível sem justiça de gênero.

Tânia Rêgo/Agência Brasil

A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, fez essa afirmação diante de um auditório lotado no Pavilhão Brasil, dentro da chamada Blue Zone da conferência. Sua fala ecoou um diagnóstico recorrente nas pesquisas científicas, nas estatísticas humanitárias e na experiência cotidiana de comunidades vulneráveis: os impactos da crise climática recaem de maneira desproporcional sobre as mulheres, sobretudo as negras, indígenas, ribeirinhas e periféricas. Elas enfrentam mais escassez de água, maior insegurança alimentar, jornadas de cuidado mais longas, perda de renda e, em muitos cenários, aumento da violência doméstica e comunitária durante eventos extremos.

Márcia Lopes lembrou que essa realidade não é apenas um conjunto de números, mas um retrato dos territórios onde as mudanças do clima se materializam. Ainda assim, destacou que, mesmo atingidas de forma mais dura, as mulheres permanecem como guardiãs de soluções. São elas que mantêm hortas comunitárias, cuidam de sementes tradicionais, administram quintais produtivos, coordenam cozinhas solidárias, preservam conhecimentos ancestrais e conduzem redes de apoio que salvam comunidades inteiras durante crises ambientais. Estudos internacionais apontam que, quando as mulheres têm voz e poder real na gestão ambiental, as políticas podem se tornar até sete vezes mais eficazes.

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Tânia Rêgo/Agência Brasil

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A perspectiva da desigualdade de gênero na crise climática foi reforçada por Ana Carolina Querino, representante da ONU Mulheres no Brasil. Para ela, ignorar as diferenças de impacto entre homens e mulheres torna as soluções climáticas incompletas e, muitas vezes, ineficazes. Querino defendeu que as políticas sejam construídas com base em metas desagregadas por gênero, que permitam compreender quem sofre, como sofre e de que forma precisa ser protegido. O cenário, segundo ela, é alarmante: estimativas indicam que mais de 250 milhões de mulheres podem ser empurradas para situações de pobreza e insegurança alimentar nos próximos anos, enquanto entre os homens esse número chega a 130 milhões.

Além das perdas econômicas e sociais, há um peso invisível que precisa ser incorporado ao debate: o aumento da carga de cuidado. O aquecimento global intensifica danos à saúde de populações vulneráveis, como idosos, crianças e pessoas com deficiência. Em boa parte do mundo, são as mulheres que assumem a responsabilidade cotidiana de cuidar dessas pessoas. Em ondas de calor prolongadas, enchentes, secas ou epidemias agravadas por condições climáticas extremas, essa sobrecarga cresce e limita ainda mais suas oportunidades de estudo, trabalho e participação política.

As discussões do Dia de Gênero dialogam diretamente com o Programa de Trabalho de Lima sobre Gênero, iniciativa aprovada em 2014 pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) para integrar a perspectiva de gênero nos acordos climáticos. O programa, originalmente previsto para durar dez anos, foi prorrogado pela decisão da COP29 em Baku, no Azerbaijão, até que seja construído um novo plano. A extensão reconhece que a igualdade de gênero ainda está longe de ser incorporada de forma plena pelas delegações nacionais.

Mas, como ressaltou Ana Carolina Querino, a continuidade do programa não basta por si só. É preciso que governos assumam compromissos reais de prestação de contas, financiamento adequado e fortalecimento do poder de decisão das mulheres em todos os níveis — do local ao internacional. Sem isso, o risco é repetir ciclos de discursos inspiradores que não se convertem em mudanças concretas.

O Dia de Gênero na COP30 mostrou que as mulheres não estão pedindo espaço, mas ocupando-o. Enquanto as negociações formais avançam lentamente, elas seguem construindo redes, soluções e diagnósticos que, reunidos, formam um mapa realista e potente para enfrentar a crise climática. A mensagem que ecoou pelos corredores da conferência é clara: somente quando mulheres e meninas estiverem plenamente incluídas, respeitadas e protegidas será possível falar em justiça climática de fato.