Novo rascunho da COP30 avança, mas deixa lacunas críticas


O avanço das negociações da COP30 ganhou novos contornos nesta sexta-feira com a divulgação de uma versão atualizada do rascunho do chamado Pacote de Belém, apresentada pelo UNFCCC. O documento inclui agora um anexo com 59 indicadores previstos para compor a Meta Global de Adaptação, um passo que reconhece a necessidade crescente de alinhar políticas e monitoramento diante do agravamento dos impactos climáticos. Ainda assim, a revisão abriu mais perguntas do que respostas, especialmente entre organizações ambientais e especialistas que acompanham de perto cada linha dessas negociações.

Bruno Peres/Agência Brasil

A primeira reação partiu do Observatório do Clima. Para a rede, os textos seguem desequilibrados, acumulando avanços tímidos e mantendo lacunas que, na avaliação das entidades, não podem ser aceitas como resultado final da conferência. A crítica mais incisiva mira a ausência de diretrizes claras para uma transição global que reduza a dependência dos combustíveis fósseis. Apesar da pressão política liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e endossada por 82 países, o rascunho evita qualquer referência explícita à necessidade de “transição para longe dos combustíveis fósseis”. Para as entidades, esse silêncio pesa: a expressão simplesmente não aparece em nenhum dos 13 documentos divulgados até agora.

Esse vazio, afirmam, não é coincidência. Organizações apontam a influência crescente de representantes da indústria fóssil credenciados para a COP30, que atingiram a marca recorde de 1.602 participantes — o maior contingente proporcional desde que esses dados começaram a ser compilados. Segundo o Observatório do Clima, foi essa pressão que empurrou para fora do documento as propostas de roteiros para eliminar gradualmente tanto o uso de combustíveis fósseis quanto o desmatamento. A avaliação é direta: os roadmaps sucumbiram aos interesses de países petroleiros e grupos econômicos que resistem a mudanças estruturais.

Outro ponto sensível é a discussão sobre as metas de emissões definidas pelas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas). A revisão dessas metas deveria lidar com a lacuna que ainda impede o cumprimento do limite de aquecimento global de 1,5 grau. No entanto, a nova versão do Pacote de Belém não trouxe qualquer passo concreto. Em vez disso, transformou a resposta à falta de ambição climática em um relatório a ser produzido nos próximos três anos, sem previsão de medidas vinculantes ou de ajuste imediato. Para países insulares e regiões altamente vulneráveis, que enfrentam literalmente a elevação do mar sobre seus territórios, esse adiamento representa um risco existencial.

paises_formam_bloco_em_apoio_ao_mapa_do_caminho_para_eliminacao_dos_fosseis_na_cop30-1-400x239 Novo rascunho da COP30 avança, mas deixa lacunas críticas
Divulgação – COP30

SAIBA MAIS: Após incêndio, COP30 deve prolongar negociações em Belém

Apesar das críticas, algumas decisões foram recebidas como sinais de avanço. A criação de um mecanismo de transição justa — ainda embrionário — e a adoção dos indicadores da Meta Global de Adaptação marcaram pontos positivos. No entanto, especialistas apontam desconexões importantes, especialmente a falta de articulação entre a transição energética e o próprio Programa de Trabalho de Transição Justa (JTWP).

Para Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, o JTWP falha ao não apresentar propostas robustas para eliminar combustíveis fósseis ou frear o desmatamento. Ainda assim, o texto incorpora elementos relevantes, como a previsão de consulta prévia, livre e informada a povos indígenas e comunidades tradicionais antes de qualquer ação que envolva seus territórios. Para Voivodic, esse reconhecimento reforça um princípio essencial: não há justiça climática sem justiça territorial.

Na área de adaptação, especialistas do Instituto Talanoa identificaram avanços técnicos importantes. Daniel Porcel destaca que os indicadores anexados representam um passo ao reconhecer que o financiamento público internacional deverá vir de países desenvolvidos para os em desenvolvimento — um dos pilares históricos da negociação climática. Além disso, a criação do “processo de Belém até Addis”, que conduz as discussões até a COP32, na Etiópia, estabelece uma base para alinhar políticas e avaliar salvaguardas na implementação dos indicadores de adaptação.

No entanto, mesmo esse progresso esbarra na ausência de uma nova meta financeira clara. O texto menciona a intenção de triplicar os recursos destinados à adaptação, mas não apresenta mecanismos, fontes nem cronogramas. Sem esse lastro, alertam especialistas, a ambição em outras áreas permanece travada. Benjamin Abraham, também do Instituto Talanoa, destaca que o financiamento é o eixo que destrava avanços: sem ele, os países em desenvolvimento não conseguem assumir compromissos mais ambiciosos nem adequar seus planos nacionais às exigências da ciência.

A nova versão do Pacote de Belém representa, portanto, um momento híbrido: combina sinais de avanço político e técnico com omissões que podem comprometer o impacto concreto da conferência. Com a COP30 se aproximando de sua reta final, o desafio das delegações será transformar esse rascunho — ainda permeado por fissuras — em um acordo capaz de refletir a urgência da crise climática e a responsabilidade compartilhada entre países, setores econômicos e sociedades.