Trinta e quatro anos após a publicação do primeiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 1990, e após 29 edições da Conferência das Partes (COP), o mundo ainda enfrenta um cenário alarmante: as emissões globais de carbono continuam a bater recordes. Em 2023, atingiram 57,1 gigatoneladas de CO2 equivalente (CO2e), um aumento de 1,3% em relação ao ano anterior. Esse dado reforça a urgência de ações concretas para frear a crise climática, que se intensifica a cada ano.
Limitar o aumento da temperatura média global
O Acordo de Paris, estabelecido em 2015, traçou a ambiciosa meta de limitar o aumento da temperatura média global a menos de 2°C até o final do século, com esforços para restringir o aquecimento a 1,5°C. No entanto, esse objetivo parece cada vez mais distante, especialmente após a retirada dos Estados Unidos – o segundo maior emissor de carbono do mundo – do acordo pela segunda vez.
A COP29 terminou com o compromisso de os governos dos países desenvolvidos assumirem a liderança pelo aporte anual de, pelo menos, US$ 300 bilhões aos países em desenvolvimento, ao longo da próxima década, para apoiar ações de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) e de adaptação às mudanças do clima. E de que o montante alcance, até 2035, o patamar de US$ 1,3 trilhão. Segundo estudos mencionados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), do Brasil, “as necessidades dos países em desenvolvimento no enfrentamento à crise climática superam a casa dos trilhões de dólares anuais”.
Agora, os olhos do mundo se voltam para a COP30, que será realizada em Belém, no coração da Amazônia brasileira, em novembro de 2025. O evento, presidido pelo Brasil, é visto como uma oportunidade única para avançar em discussões críticas sobre o clima. Além de reunir cerca de 7 mil representantes de delegações oficiais e equipes da ONU, a conferência deve atrair milhares de ativistas, pesquisadores e observadores, totalizando mais de 40 mil visitantes, segundo estimativas da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Desafios e expectativas para a COP30
A COP30 terá como temas centrais a redução das emissões de gases de efeito estufa, a adaptação às mudanças climáticas, o financiamento climático para países em desenvolvimento, o desenvolvimento de tecnologias de energia renovável, a preservação de florestas e biodiversidade, e a justiça climática. Para o físico Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro do IPCC, a redução das emissões deve ser a prioridade absoluta. “Precisamos cortar drasticamente a quantidade de carbono lançada na atmosfera, e isso significa parar de queimar combustíveis fósseis”, afirmou ele durante a conferência “Caminhos para o Brasil pós-COP29”, promovida pelo Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Artaxo destacou que, no ritmo atual, o planeta caminha para um aumento de 4,3°C na temperatura média global até o final do século. Mesmo com a implementação parcial do Acordo de Paris, o aquecimento pode chegar a 3,7°C. “A implementação rigorosa do acordo poderia limitar o aumento a 2,8°C, mas ainda estamos longe disso”, alertou.
Thelma Krug, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e ex-vice-presidente do IPCC, criticou a lentidão das negociações climáticas. “Foram necessários dez anos para regulamentar o pagamento por resultados de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal. Esse mecanismo, que deveria financiar os esforços dos países em desenvolvimento, nunca foi efetivamente implementado”, lamentou.
Impactos no Brasil e a urgência da adaptação
O Brasil, como país tropical, enfrentará impactos climáticos mais severos do que a média global. Em um cenário de aumento de 3°C na temperatura média do planeta, o Brasil poderá experimentar um aquecimento de 4°C a 4,5°C, com efeitos devastadores sobre os recursos hídricos e a biodiversidade. “A Amazônia e o Brasil Central perderão quantidades significativas de água, assim como o sul da África e a Europa Mediterrânea”, explicou Artaxo.
Karen Silverwood-Cope, ex-diretora do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima e atual diretora de clima do WRI Brasil, destacou os avanços do país no controle do desmatamento e na redução de emissões. No entanto, ela questionou se o Brasil está preparado para um futuro em que as emissões serão dominadas pelo setor energético, e não mais pelo desmatamento. “Se conseguirmos controlar o desmatamento e promover a restauração de 12 milhões de hectares até 2030, nossa principal fonte de emissões será o consumo de energia. Alguém já começou a preparar o Brasil para esse novo perfil?”, indagou.
COP30: uma janela de oportunidade
A COP30 representa uma chance única para o Brasil assumir um papel de liderança no cenário global. Além de sediar o evento em um local simbólico como a Amazônia, o país pode influenciar a agenda climática internacional e pressionar por mudanças no sistema de governança global. “A COP30 pode ser um ponto de virada, tanto para o Brasil quanto para o mundo”, afirmaram os especialistas.
Luiz Aragão, pesquisador do Inpe e moderador da conferência, ressaltou que apenas ações de mitigação não serão suficientes. “Iniciativas de adaptação são igualmente necessárias para garantir a sustentabilidade social e econômica dos países”, disse.
A conferência “Caminhos para o Brasil pós-COP29” está disponível na íntegra no YouTube, oferecendo um panorama detalhado dos desafios e oportunidades que o Brasil e o mundo enfrentam na luta contra a crise climática. A COP30, portanto, surge como um momento crucial para transformar discursos em ações concretas, em um esforço global para evitar os piores cenários do aquecimento global.