Ocupando um espaço essencial, embora muitas vezes incompreendido, os cupins estão longe de ser apenas pragas urbanas. Um novo livro, elaborado por 58 pesquisadores de diversos países e editado por professores da Universidade Federal do ABC (UFABC), em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), reúne o conhecimento mais atualizado sobre esses insetos sociais que há milhões de anos desempenham um papel silencioso, porém decisivo, na manutenção da vida terrestre.
A obra “Cupins da América do Sul”, disponível gratuitamente, surge como um marco de referência. Com 879 páginas e 29 capítulos, o livro revisita desde a origem e evolução dos cupins até suas interações ecológicas e sociais. É o primeiro grande compêndio sobre o tema em mais de duas décadas, resultado de uma lacuna percebida pelos organizadores Ives Haifig, Alberto Arab e Tiago Carrijo, todos professores do Centro de Ciências Naturais e Humanas da UFABC.
A proposta nasceu em 2019, durante o V Simpósio de Termitologia, quando pesquisadores de diferentes países identificaram a necessidade de uma obra que unificasse o vasto conhecimento sobre os cupins neotropicais. A produção enfrentou desafios — especialmente durante a pandemia de COVID-19 —, mas culminou em um lançamento simbólico no VIII Simpósio de Termitologia, realizado no campus da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), em Campina Grande.

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Muito além das pragas
A má fama dos cupins esconde uma realidade mais complexa: apenas 3% das quase 3 mil espécies conhecidas causam prejuízos à madeira ou às construções humanas. No Brasil, as principais espécies invasoras são exóticas, originárias de regiões como Ásia, Chile e Peru. No ambiente natural, porém, esses insetos são verdadeiros engenheiros ecossistêmicos, capazes de alterar a estrutura do solo e criar habitats que favorecem outras espécies.
Segundo Haifig, o livro busca “reconciliar o público com a biologia desses insetos” e revelar sua importância para o equilíbrio ambiental. Ele explica que os cupins “participam da ciclagem de nutrientes e ajudam a manter a umidade do solo”, funções essenciais em tempos de mudanças climáticas e degradação ambiental.
Arquitetos do subsolo e guardiões do carbono
Os cupins têm uma biomassa equivalente à dos seres humanos — uma comparação que ilustra sua presença e influência no planeta. Alberto Arab, também pesquisador da UFABC, destaca que eles decompõem a biomassa vegetal, transformando restos de plantas em nutrientes disponíveis para outros organismos. Além disso, cerca de 40% do carbono consumido por esses insetos fica armazenado em seus corpos, o que contribui para a regulação de gases de efeito estufa.
Arab coordenou o projeto “Efeito da dieta na diversidade bacteriana do trato digestivo de cupins”, apoiado pela FAPESP, e explica que, embora emitam metano, parte desse gás é consumida por arqueias metanotróficas, microrganismos que o convertem em CO₂, menos nocivo. Essa dinâmica complexa ilustra como os cupins integram ciclos bioquímicos cruciais à estabilidade climática.
Durante enchentes, suas galerias subterrâneas ajudam na infiltração da água; durante secas, trazem umidade das camadas profundas para a superfície, beneficiando o crescimento de plantas. Em regiões tropicais, a presença de cupinzeiros aumenta a fertilidade e a retenção de água do solo — uma engenharia natural que inspira até soluções agrícolas.
Ciência, educação e diálogo com o público
Além de reunir dados científicos, o livro dedica um capítulo à divulgação científica. Tiago Carrijo, um dos editores, enfatiza a importância de comunicar o conhecimento sobre esses insetos ao público leigo. Ele é fundador do projeto Wikitermes, uma plataforma que disponibiliza informações sobre cupins e promove atividades educativas em escolas.
Em parceria com Joice Paulo Constantini, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), Carrijo relata a experiência de usar a produção de conteúdo científico como ferramenta pedagógica: “A constância e a prática de traduzir a ciência em narrativas acessíveis permitem que novas gerações entendam a relevância desses organismos para o equilíbrio ambiental”.
A iniciativa reflete uma visão mais ampla sobre o papel da ciência — não apenas como produção de conhecimento técnico, mas como ponte entre pesquisa, sociedade e políticas públicas. Ao reunir especialistas de sete países, “Cupins da América do Sul” reafirma o potencial da colaboração científica latino-americana e o compromisso com o acesso aberto ao conhecimento.






































