Em Belém, à margem do vasto Rio Guamá, as águas se transformam em palco de resistência e de esperança. Nesta quarta-feira, 12 de novembro de 2025, a Cúpula dos Povos movimenta gerações, territórios e vozes que, por vezes, ficam à margem das negociações formais da mudança climática. Enquanto a COP30 avança nos corredores oficiais, este encontro paralelo aponta para outra lógica: a da vida que acontece, a da justiça que brota dos rios, das florestas, das periferias.

Pela manhã, barcos se alinharão no campus Guamá da Universidade Federal do Pará e seguirão em barqueata rumo à Baía do Guajará, reunindo mais de 200 embarcações e cerca de 5 mil pessoas de diversas origens — indígenas, ribeirinhos, quilombolas, jovens, mulheres, agricultores familiares. O trajeto será simbólico e político: navegará por zonas impactadas por obras, por territórios à beira da especulação imobiliária, como a Vila da Barca, palco vivo das contradições que muitos atributos da “transição verde” ignoram.
A barqueata não é um espetáculo isolado. Ela inaugura uma programação intensa que vai até dia 16, no campus da UFPA. Lá, das 8h às 22h, serão realizados fóruns, plenárias e manifestações culturais que conectam luta territorial, racismo ambiental, soberania alimentar, direito à cidade e transição energética — sempre a partir da perspectiva de que o clima se decide nos territórios e não apenas em salas de Estado.
Uma das leituras possíveis é que este evento questiona os rumos da governança climática global: enquanto muitos fóruns se concentram em metas e tecnologias, a Cúpula dos Povos aposta nas vidas, nos corpos, nas águas — e na ideia de que a justiça climática precisa proteger quem vive na linha de frente das mudanças. “As águas da Amazônia estão trazendo as vozes que o mundo precisa ouvir: as de quem defende a vida, os territórios e o clima”, afirma , ativista equatoriano da Comissão Política da Cúpula.

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A dinâmica cultural amplia esse olhar. A Feira dos Povos, a Casa das Sabedorias Ancestrais e as apresentações artísticas criam espaços de escuta, ritual e registro. A mobilização não se limita à crítica mas constrói visibilidade — e alternativas. A barqueata se torna, então, um manifesto que atravessa a água, e a programação da Cúpula é o terreno onde a mobilização ganha volume, contrasta com discursos oficiais e reafirma quem sabe do futuro.
Ao mesmo tempo, o cenário revela o fosso que separa promessa e prática. A Vila da Barca, palco da barqueata, é uma comunidade que vive décadas de abandono, saneamento deficiente e especulação. Nela, as lutas da Amazônia encontram a cidade — e deixam claro que “transição” se constrói junto, com quem está no território. A Cúpula, então, emerge como voz que exige: não mais “soluções para” mas “soluções com”.
A vigência desse encontro na COP30 reforça que o tempo da mudança não espera apenas que se alcance uma meta até 2030 — está em curso agora, nas águas, nas árvores, nas ruas, nos barcos. O chamado que ecoa em Belém é para que a conferência oficial olhe também para quem vive na linha de frente dos impactos, e para que a justiça climática seja mais que lema: seja processo, mobilização, presença.
Em suma, a Cúpula dos Povos oferece um contraponto fecundo à agenda diplomática da COP30. Ela mostra que não basta assinar compromissos — é preciso ouvir as vozes que jamais foram chamadas, transformar práticas que foram invisíveis em protagonismo real, e engrenar a mudança no cotidiano. Se o barco parte nesta manhã, leva consigo não apenas corpos e vozes, mas territórios inteiros. E é deles que o futuro do clima talvez precise aprender mais do que de qualquer sala de negociações.








































