Demanda do centro-sul do Brasil impacta mais o desmatamento da Amazônia do que exportações


A Amazônia Legal Brasileira (ALB), que abrange grande parte da Bacia Amazônica e regiões adjacentes do Cerrado, se estende por nove estados e cobre mais de 5 milhões de quilômetros quadrados, representando quase 60% do território nacional. Atualmente, 23% dessa área já foi desmatada e mais de 1 milhão de km² estão degradados, colocando a região em risco de um colapso ecológico que poderia liberar bilhões de toneladas de carbono na atmosfera. Regiões como o “Arco do Desmatamento” já são emissoras líquidas de carbono. A preservação e recuperação dessas áreas são urgentes e mobilizam diversos atores globais.

Impacto da Demanda Doméstica e Internacional

Embora a demanda internacional por commodities seja frequentemente apontada como principal motivadora do desmatamento, um estudo conduzido por Eduardo Haddad e colaboradores, publicado na revista Nature Sustainability, revelou que os mercados domésticos exercem uma pressão ainda maior. O estudo mostrou que 83,17% do desmatamento foi causado por demandas externas à Amazônia, sendo 59,68% provenientes do restante do Brasil e 23,49% do comércio internacional.

Metodologia do Estudo

O estudo utilizou a Matriz de Insumo-Produto (MIP), uma ferramenta que mapeia as relações econômicas entre diferentes setores. Baseado na MIP de 2015 do IBGE, o estudo adaptou os dados para a ALB, combinando-os com informações sobre desmatamento e emissões de gases de efeito estufa. Isso permitiu medir os impactos diretos e indiretos da demanda doméstica e internacional por produtos agrícolas e pecuários da região.

Transformações no Uso da Terra

Nas últimas cinco décadas, a Amazônia passou por enormes mudanças devido a inovações técnicas, investimentos em infraestrutura e políticas que facilitaram a expansão da agricultura, especialmente do cultivo de soja e da pecuária. Em 1974, a produção de soja na ALB era inferior a 200 toneladas; em 2022, alcançou 50 milhões de toneladas, representando 41,5% do total brasileiro. A pecuária também cresceu significativamente, passando de 8,9 milhões de cabeças de gado em 1974 para 104,3 milhões em 2022.

Demandas Internas e Externas

O crescimento da pecuária foi impulsionado principalmente pelo aumento do consumo de carne e produtos lácteos em outras regiões do Brasil. Do desmatamento causado pela pecuária, 61,63% atenderam à demanda interna e 21,06% à demanda internacional. No caso da agricultura, 58,38% do desmatamento foi voltado para exportação e 41,62% para o mercado interno.

Concentração Geográfica do Desmatamento

O desmatamento na ALB se concentra em algumas áreas específicas e é impulsionado principalmente pela pecuária (93,4%), seguida pela agricultura (6,4%) e mineração (0,2%). A construção de infraestrutura e a urbanização também contribuem significativamente para a degradação da vegetação original.

Desafios e Ilegalidades

Atividades ilegais, como a grilagem de terras, são fatores críticos no desmatamento. Estudos recentes mostram que metade do desmatamento na ALB nas últimas duas décadas ocorreu em terras públicas ocupadas ilegalmente. Disputas legais prolongadas não impedem que essas áreas participem do mercado de terras e do processo de produção.

Implicações para Políticas Públicas

O estudo destaca que a demanda econômica do centro-sul do Brasil exerce maior pressão sobre o desmatamento na Amazônia do que as exportações internacionais. Este conhecimento é vital para orientar políticas públicas e ações da sociedade civil voltadas para a preservação e regeneração da região. Controlar o desmatamento é essencial para que o Brasil cumpra suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.

O estudo contou com a participação de Inácio Fernandes de Araújo Junior, Rafael Feltran Barbieri, Fernando Salgueiro Perobelli, Ademir Rocha, Karina Simone Sass e Carlos Afonso Nobre, com apoio da FAPESP através de dois projetos.

O artigo completo pode ser acessado em: Nature Sustainability.


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