É preciso não só avançar no entendimento sobre a evolução humana, mas também reduzir a nossa ignorância sobre o tema

Autor: Redação Revista Amazônia

Para entender como se deu a evolução humana é preciso pegar na lâmpada bruxuleante da história e tropeçar na trilha do passado, tentando reconstruir cenas, reviver suas ressonâncias e, assim, acender a paixão de tempos anteriores, disse o paleoantropólogo Bernard Wood na conferência “Evolução humana: conquista e desafios”, proferida ontem (10/10) no Auditório da FAPESP. O evento integra a série Conferências FAPESP 2023.

Pegando emprestado uma frase de Winston Churchill sobre história, Wood se dispôs a explicar em que consistem as descobertas e os desafios que permitem compreender como se deu a evolução humana ao longo de milhões de anos.

“Como fazemos isso? A resposta está em obter mais evidências e dados a partir de novos registros fósseis, ou extrair mais informações dos fósseis já disponíveis. Você pode encontrar mais fósseis em sítios conhecidos ou procurar novos locais. Também é preciso melhorar as maneiras de analisar os dados coletados. Assim, além de varreduras a laser mais precisas sobre a morfologia externa de fósseis, também é possível coletar informações por meio de técnicas médicas não invasivas, como tomografia computadorizada ou observação de isótopos estáveis e sequenciamento de DNA”, disse o cientista.

Dessa forma, o estudo da evolução humana conta também com provas inusitadas, como o desenho e a composição do dente de um hominídeo que viveu sobre a Terra há mais de 2 milhões de anos – que pode, por exemplo, sugerir o que ele comia – ou a análise do solo e de insetos, que entrega informações importantes sobre o clima e as condições de vida na época.

Entre outros exemplos de “lâmpadas bruxuleantes” que possibilitam uma maior compreensão da evolução humana citados por Wood estão estudos com o uso de micro CT (microtomografia), análise de carbonatos do paleossolo, assinaturas de isótopos estáveis, morfologia dentária e 3D geometric morphometrics (ferramenta que descreve a forma tridimensional de superfícies ortodônticas).

“Meu trabalho não tem sido apenas o de avançar o nosso entendimento sobre a evolução humana, mas o de reduzir a nossa ignorância sobre o tema. E como se faz isso? Por meio de provas e dados a partir de registros fósseis em sítios existentes ou novos sítios, pelos avanços na forma como analisamos os dados que coletamos e também como conseguimos extrair informações adicionais desses registros fósseis”, contou.

Wood é diretor do Centro de Estudos Avançados de Paleobiologia da Universidade George Washington (Estados Unidos) e um dos mais renomados paleoantropólogos em atividade do mundo. Autor de 20 livros e de mais de 250 artigos científicos, o britânico é conhecido por suas pesquisas sobre as origens do gênero Homo, a paleobiologia do Paranthropus boisei (um dos primeiros hominíneos que viveram na Europa, há cerca de 1 a 2 milhões de anos), a sistemática dos hominídeos, a reconstrução da filogenia, a morfologia comparativa e a epistemologia na paleoantropologia.

Árvore da vida

Em 1966, quando então estudante de medicina que gostava de anatomia, Bernard Wood teve o primeiro contato com a paleoantropologia a partir de um curso de primatologia e evolução humana. Havia apenas nove hominini – primatas da família Hominidae, que inclui chimpanzés, bonobos, humanos e seus antepassados extintos. Entre homininis arcaicos, transacionais e modernos figuravam os Homo sapiens, H. neanderthalensis, H. heidelbergensis, H. rhodesiensis, H. erectus, H. habilis, Australopithecus africanus, Paranthropus robustus e Paranthropus boisei.

Quase 60 anos depois, em 2023, as linhagens de hominini registradas já chegavam a 31 táxons entre homininis arcaicos, modernos, pré-modernos e possivelmente primeiros homininis. Além de uma série de novos fósseis do gênero Homo pré-moderno, figuram mais taxa de homininis arcaicos como o Au. afarensis (que viveu há quase 4 milhões de anos) assim como possíveis primeiros homininis, como é o caso do Orrorin tugenensis, Ardipithecus ramidus, Ar. Kadabba e Sahelanthropus tchadensis (que pisou na terra há prováveis 7,5 milhões de anos). Vale ressaltar que, dependendo da análise, esse número pode ser reduzido.

A carreira de Wood na paleoantropologia começou em 1977, quando ele foi convidado por Richard Leakey para se tornar membro do que mais tarde ficou conhecido como Projeto de Pesquisa Koobi Fora. Ele foi um dos três anatomistas (Michael Day e Alan Walker foram os outros) encarregados de descrever os fósseis de hominídeos recuperados em East Rudolf (Quênia). O trabalho rendeu uma importante monografia, em 1991, sobre os restos cranianos de hominínios da Formação Koobi Fora, um atlas de anatomia dos tecidos moles dos monos.

Em outro estudo, Wood descobriu que, há cerca de 8 milhões de anos, havia um ancestral comum entre os humanos modernos, os chimpanzés e os bonobos. Isso significa que chimpanzés e bonobos estão mais próximos de humanos do que gorilas, por exemplo.

“Não se sabe exatamente por que isso acontece. Mas, em algum momento, entre 15 e 12 milhões de anos atrás, passamos para o pequeno ramo que deu origem aos humanos modernos contemporâneos e aos macacos africanos vivos. Entre 11 e 9 milhões de anos atrás, o ramo dos gorilas se separou, deixando apenas um único ramo composto pelos ancestrais dos chimpanzés, dos bonobos e dos humanos modernos. Entre 8 e 6 milhões de anos atrás, esse ramo muito delgado dividiu-se em dois ramos. Um dos galhos termina na superfície da árvore da vida com chimpanzés e bonobos; o outro leva aos humanos modernos”, explicou.

Divisores x aglutinadores

Mas, como afirmou Wood, ao mesmo tempo que “não é porque não tem um registro fóssil que não tenha existido uma espécie”, é provável que haja um excesso de divisão.

Ele explicou na palestra, e também em seu livro Human Evolution, a Very Short Introduction (Oxford University Press, 2019, 2ª ed.), que a interpretação da taxonomia na evolução humana reconhece um número relativamente grande de espécies. “Existem aqueles que reconhecem um maior número de espécies e os que têm uma maior propensão a aglutinar. Ambos estão olhando para as mesmas evidências, apenas as interpretam de forma diferente”, afirmou.

Wood contou que a grande causa das divergências entre os paleoantropólogos sobre quantas espécies podem ser identificadas no registro fóssil de hominídeos se deve a diferenças na forma de interpretar uma variação. Dessa forma, os pesquisadores que ressaltam as importâncias das continuidades (evolução) no registro fóssil geralmente optam por menos espécies, enquanto aqueles que estão mais dispostos a reconhecer e enfatizar as descontinuidades tendem a reconhecer mais espécies.

“Não podemos esquecer que a evidência genética é uma ferramenta muito poderosa para o estudo da evolução, mas ela só volta até uma pequena porção da evolução humana. É por isso que a maioria das evidências continua sendo baseada em registros fósseis”, comentou.

Em sua primeira visita ao Brasil, Bernard Wood proferiu duas palestras, uma no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) e outra na FAPESP. A viagem do pesquisador vai contar ainda com reuniões de orientação a alunos brasileiros do grupo do professor Walter Neves (IEA-USP) e uma viagem de campo a Lagoa Santa (MG), sítio arqueológico onde foi encontrada Luzia, o fóssil de Homo sapiens mais antigo da América do Sul, com cerca de 12.500 a 13.000 anos.

A íntegra da Conferência está disponível em: www.youtube.com/watch?v=2r7DCa88_Xo.


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