Nos últimos anos, o conceito de ESG (ambiental, social e governança) tornou-se um dos principais focos das grandes empresas ao redor do mundo. No entanto, à medida que questões climáticas e sociais ganham urgência, também cresce um movimento de retrocesso por parte de algumas corporações que estão reduzindo ou eliminando compromissos nessa área. Para João Paulo Ferreira, CEO da Natura, isso reflete uma separação clara entre empresas que incorporaram o ESG como um modelo de negócios e aquelas que apenas adotaram práticas sustentáveis por conveniência.
ESG: Modismo ou Transformação Estrutural?
A adesão ao ESG cresceu exponencialmente nos últimos anos, impulsionada por pressões sociais, regulatórias e de investidores. No entanto, o cenário recente mostra que algumas empresas, especialmente nos Estados Unidos, estão recuando de metas ambientais e sociais. Segundo Ferreira, isso acontece porque o ESG, quando tratado apenas como um “pedágio”, ou seja, um custo obrigatório para mitigar impactos negativos, acaba se tornando insustentável a longo prazo.
“Se não estiver no modelo de negócio, ESG vira pedágio”, afirma o executivo. Para ele, as empresas que adotaram práticas sustentáveis de maneira genuína e estratégica continuarão a avançar, enquanto aquelas que as enxergavam apenas como uma tendência de mercado estão, agora, abandonando esses compromissos.
A Natura, por outro lado, reafirmou publicamente sua postura e reforçou a importância de tratar os desafios socioambientais como oportunidades de inovação e crescimento.
O Compromisso da Natura: ESG Como Modelo de Negócios
A empresa estruturou seus compromissos ESG em três pilares principais:
- Enfrentar a crise climática e proteger a Amazônia
- Defender os direitos humanos e promover diversidade
- Adotar economia circular e regeneração ambiental
Cada um desses pilares é acompanhado por metas concretas que demonstram como o ESG está integrado ao modelo de negócios da Natura.
Compromissos Climáticos e Proteção da Amazônia
No eixo ambiental, a companhia estabeleceu metas ambiciosas para reduzir sua pegada de carbono. Até 2030, pretende zerar as emissões em suas instalações próprias (escopos 1 e 2) e reduzir em 42% as emissões em sua cadeia de valor (escopo 3). Além disso, o compromisso com a proteção da Amazônia inclui a preservação ou regeneração de 3 milhões de hectares de floresta e garantir que 100% de suas cadeias de fornecimento críticas (palma, soja, papel e álcool) sejam livres de desmatamento.
O modelo de negócios da linha Ekos, que utiliza matérias-primas amazônicas de forma sustentável, é um dos exemplos de como a empresa transforma questões ambientais em diferenciais competitivos.
Direitos Humanos e Diversidade na Gestão
Na área social, a Natura já atingiu a meta de ter 50% de mulheres em cargos de liderança sênior desde 2020. O próximo desafio é aumentar a representação de pessoas negras na gestão, com metas de 25% até 2025 e 30% até 2030. Para Ferreira, alcançar diversidade racial na liderança precisa ser tratado com a mesma seriedade que a equidade de gênero.
A empresa também mantém iniciativas para medir e impulsionar a renda de suas consultoras de venda direta, que representam 90% das vendas da companhia e são majoritariamente mulheres. Embora as consultoras não tenham vínculo empregatício, a Natura acompanha sua evolução financeira para garantir que o trabalho proporcione um nível de vida digno.
Economia Circular e Redução de Resíduos
O terceiro pilar do compromisso ESG da Natura é a economia circular, com metas claras para reduzir o impacto ambiental das embalagens. Até 2030, a empresa pretende garantir que 100% de suas embalagens sejam reutilizáveis, refiláveis, recicláveis ou compostáveis. Em setembro de 2024, 89% dessa meta já havia sido cumprida.
Por outro lado, a empresa ainda enfrenta desafios na meta de utilizar 50% de plástico reciclado em suas embalagens até 2030. Atualmente, esse índice está em 18%, sendo que a marca Natura já alcançou 25%, enquanto a Avon, adquirida pelo grupo, ainda está em 5%.
A Relevância do ESG em Meio a Retrocessos Globais
O movimento de recuo de compromissos ESG, observado principalmente em empresas americanas após a eleição de Donald Trump, levanta um alerta sobre a volatilidade do setor. Muitas companhias estão reavaliando suas metas de redução de emissões e programas de diversidade, o que pode gerar um efeito dominó global.
Para Ferreira, esse momento deve ser visto como um processo de filtragem. As empresas que realmente integraram ESG ao seu DNA seguirão avançando, enquanto aquelas que o trataram apenas como uma tendência passageira tendem a recuar.
Ele reforça que a adaptação ao ESG exige investimento, tecnologia e conhecimento, e que a evolução nessa área precisa ser contínua. “Levou mais de uma década para atingirmos equidade de gênero na liderança. Não podemos demorar o mesmo tempo para garantir representação adequada em outros aspectos, como raça e inclusão de pessoas com deficiência.”
O ESG Continua? O Futuro das Empresas Sustentáveis
Apesar do momento de incerteza, o mercado global de investimentos ESG ainda movimenta trilhões de dólares. Fundos e investidores institucionais continuam exigindo transparência e compromisso ambiental das empresas, o que fortalece a permanência dessas práticas no longo prazo.
Empresas como a Natura demonstram que o ESG não pode ser apenas um custo operacional, mas sim um diferencial competitivo. Transformar desafios socioambientais em oportunidades de inovação e crescimento é a chave para garantir a longevidade dos negócios em um mundo que enfrenta crises climáticas e sociais cada vez mais evidentes.
Em vez de enxergar ESG como um “pedágio” imposto ao setor privado, a visão defendida pela Natura sugere que a única forma sustentável de fazer negócios é integrando esses princípios à estratégia corporativa. Assim, enquanto algumas empresas abandonam compromissos, outras consolidam seu papel como líderes de um futuro mais responsável e equilibrado.
