Ética de dados ganha centralidade na ciência participativa da região
A ciência participativa tem ampliado seu alcance na América Latina ao envolver comunidades, pesquisadores e organizações na produção compartilhada de conhecimento. Esse crescimento, no entanto, traz desafios éticos cada vez mais complexos, especialmente no que diz respeito ao uso, à governança e à devolução dos dados gerados coletivamente. É nesse contexto que a Aliança Águas Amazônicas lançou, em parceria com a Rede Ibero-americana de Ciência Participativa e a Rede Brasileira de Ciência Cidadã, as versões em espanhol e português da Caixa de Ferramentas para Ética de Dados em projetos de ciência participativa.

A iniciativa torna acessível, pela primeira vez para grande parte da região, o conteúdo do Data Ethics Toolkit, um recurso amplamente reconhecido no debate internacional sobre boas práticas em ciência cidadã. A tradução não é apenas um exercício linguístico, mas uma estratégia política e pedagógica para fortalecer padrões éticos compartilhados, adaptados às realidades socioculturais da Amazônia e de outros territórios latino-americanos.
Ao disponibilizar esse material em idiomas amplamente falados na região, as organizações envolvidas buscam reduzir barreiras de acesso ao conhecimento e promover uma ciência mais transparente, justa e responsável, na qual participantes não sejam apenas fontes de dados, mas sujeitos de direitos.
Um esforço coletivo com raízes internacionais
A Caixa de Ferramentas para Ética de Dados é resultado de um processo colaborativo liderado por Caren Cooper, da North Carolina State University, e Lisa Rasmussen, da University of North Carolina at Charlotte. O desenvolvimento do material contou com a contribuição de uma ampla comunidade internacional mobilizada pela Association for the Advancement of Participatory Sciences (AAPS), organização que atua no fortalecimento da ciência participativa em escala global.
Esse histórico confere ao toolkit uma base conceitual sólida, construída a partir de experiências diversas e debates acumulados sobre ética, integridade científica e governança de dados. A tradução e adaptação para o espanhol e o português, articulada pela Aliança Águas Amazônicas, conecta esse acervo internacional às demandas concretas da região amazônica e ibero-americana, marcada por grande diversidade cultural, assimetrias de poder e contextos sensíveis de produção de dados.
O lançamento das versões traduzidas ocorreu no âmbito do Segundo Congresso Ibero-americano de Ciência Aberta, espaço que reuniu pesquisadores, ativistas e gestores públicos em torno da construção de uma agenda comum para a ciência aberta. Durante o evento, a Caixa de Ferramentas foi apresentada como um instrumento prático para avançar na definição de padrões compartilhados, com ênfase em transparência, equidade e responsabilidade coletiva.

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O que a Caixa de Ferramentas propõe na prática
A Caixa de Ferramentas para Ética de Dados foi concebida para apoiar equipes e lideranças de projetos de ciência participativa na identificação e no equilíbrio de diferentes obrigações éticas. Entre os temas centrais abordados estão a governança dos dados, a integridade dos processos de pesquisa, a forma como resultados são reportados, o reconhecimento das contribuições dos participantes e a devolução das informações às comunidades envolvidas.
Em vez de oferecer respostas prontas, o material propõe perguntas orientadoras, exemplos práticos e caminhos de reflexão que ajudam os projetos a tomar decisões informadas ao longo de todo o ciclo da pesquisa. Essa abordagem reconhece que dilemas éticos variam conforme o contexto e que soluções precisam ser construídas de maneira situada, levando em conta relações de poder, expectativas dos participantes e impactos potenciais do uso dos dados.
Para iniciativas que atuam em territórios amazônicos, indígenas ou tradicionais, esse cuidado é especialmente relevante. A ética de dados, nesse sentido, deixa de ser um apêndice burocrático e passa a integrar o próprio desenho dos projetos, fortalecendo vínculos de confiança e ampliando a legitimidade social da ciência participativa.
Formação, redes e próximos passos para ampliar o impacto
A tradução da Caixa de Ferramentas é apenas um dos elementos de um processo mais amplo de fortalecimento de capacidades na região. As organizações envolvidas estruturam um conjunto de ações complementares que inclui a criação de uma comunidade de prática, pensada como um espaço permanente de troca de experiências e aprendizados entre pessoas e instituições que atuam com ciência participativa.
Outro eixo estratégico é o programa de capacitação de multiplicadores, voltado a ampliar o alcance local da Caixa de Ferramentas. A ideia é formar pessoas capazes de aplicar o conteúdo em seus próprios contextos e de apoiar outras iniciativas na adoção de práticas éticas no manejo de dados. Soma-se a isso a chamada clínica de iniciativas, um espaço de acompanhamento prático para projetos que desejam testar e adaptar o toolkit em situações reais.
Esse conjunto de ações também prevê a documentação sistemática dos aprendizados gerados ao longo do processo e a articulação com redes e organizações interessadas em expandir o uso da Caixa de Ferramentas em diferentes países e áreas temáticas. Ao apostar em uma abordagem em rede, a iniciativa busca garantir que a ética de dados não seja tratada como um requisito isolado, mas como um componente estruturante da ciência participativa na região.
Com o anúncio de que em breve será divulgado o calendário de atividades e o formulário de inscrição para o programa de capacitação, a expectativa é de que a Caixa de Ferramentas se consolide como referência prática para projetos que desejam alinhar produção de conhecimento, justiça social e responsabilidade no uso dos dados.














































