Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) identificaram um dos mecanismos pelos quais a prática regular de exercícios físicos ajuda a impedir que a dor muscular aguda evolua para um quadro crônico. O estudo, publicado na revista PLOS ONE, lança luz sobre como o corpo reage ao esforço físico e como essa resposta pode modular inflamações e dores persistentes.
A pesquisa focou no papel dos macrófagos, células do sistema imunológico no processo de cronificação da dor. Evidências anteriores já apontavam essas células como protagonistas tanto no início da dor inflamatória quanto na sua persistência ao longo do tempo.
A chave está no receptor P2X4
Por meio de experimentos com camundongos, os cientistas identificaram que um receptor celular, conhecido como P2X4, presente na membrana dos macrófagos, desempenha papel central na transição da dor aguda para crônica. Quando ativado, esse receptor desencadeia uma resposta inflamatória prolongada, tornando o desconforto persistente.
No entanto, os resultados mostraram que a prática de exercício físico regular, como a natação em intensidade progressiva, pode interromper esse processo. Isso ocorre porque o exercício ativa outra via bioquímica mediada pelo receptor PPAR-Gama, que “reprograma” o macrófago para uma ação anti-inflamatória, impedindo a ativação do P2X4.
“Detectamos que o exercício bloqueia a via de sinalização que levaria à dor crônica, o que nos ajudou a entender como o corpo reage de forma protetiva ao movimento”, explica Maria Cláudia Gonçalves de Oliveira, coordenadora do Laboratório de Estudos em Dor e Inflamação (Labedi) e autora principal do estudo.
Experimentos em camundongos reforçam a eficácia da atividade física
Os camundongos envolvidos no estudo praticaram natação com carga progressiva por cinco dias na semana, durante um mês. Após esse período, os cientistas induziram uma lesão muscular inflamatória. O esperado era que, sem tratamento, o processo inflamasse o tecido muscular e levasse à dor crônica. Mas os animais que praticaram exercício não desenvolveram hiperalgesia duradoura.
A análise biomolecular revelou que a atividade física havia inibido a via inflamatória associada ao receptor P2X4 por meio da ativação do PPAR-Gama. Isso reduziu a presença da proteína p38 MAPK, responsável por amplificar o sinal de dor nos macrófagos.
Potencial terapêutico e novos caminhos para o tratamento da dor
Os dados da pesquisa têm implicações importantes para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes e seguros contra a dor muscular crônica. Em vez de recorrer ao uso excessivo de opioides, como ocorre em países como os Estados Unidos e Canadá, compreender as vias moleculares ativadas pelo exercício físico pode ajudar a criar fármacos que ajam de forma sinérgica com a atividade física.
“Nosso objetivo agora é entender se essa ação ocorre por inibição direta do receptor P2X4, pelo controle da fosforilação da proteína p38 ou pela indução de um perfil anti-inflamatório mais robusto nos macrófagos”, detalha Oliveira.
Momento ideal de intervenção pode ser decisivo
Os autores destacam que a fase aguda da dor inflamatória é um período-chave para intervenção. É nesse estágio que o corpo ainda pode ser redirecionado para uma resposta anti-inflamatória eficaz. Assim, tratamentos com antagonistas do P2X4 ou agonistas do PPAR-Gama podem ter seu efeito potencializado se aplicados no momento certo.
“Compreender quando e como agir é tão importante quanto o que usar”, afirmam os cientistas, reforçando a importância de combinar estratégias terapêuticas com o estímulo ao exercício físico como ferramenta preventiva.
A pesquisa contou com financiamento da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), por meio dos projetos 21/02921-2 e 18/13599-1. O artigo completo pode ser acessado neste link.
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