A cada sobrevoo pela imensidão verde da Amazônia, novas clareiras começam a surgir. Entre rios sinuosos e florestas cerradas, aparecem retângulos perfeitos de terra cultivada com soja, um dos motores do agronegócio brasileiro. O avanço, antes limitado ao cerrado, agora se projeta cada vez mais fundo na floresta amazônica, impulsionado pela demanda global e por uma infraestrutura logística em plena transformação.

A região amazônica já responde por cerca de 10% da produção de soja no Brasil, enquanto o cerrado concentra 50%. Mas o peso simbólico e ambiental dessa expansão vai muito além dos números. O desafio colocado ao país é monumental: como conciliar a força de um setor que gera um quarto do Produto Interno Bruto com compromissos climáticos assumidos em acordos internacionais?
Esse dilema se torna ainda mais evidente às vésperas da COP30 em Belém, quando o Brasil estará no centro das atenções globais, tendo o desmatamento como um dos principais temas da conferência.
Um pacto sob pressão
Desde 2006, a Moratória da Soja marcou um divisor de águas. Firmada entre grandes tradings internacionais como Archer Daniels Midland (ADM), Bunge Global, Cargill e Louis Dreyfus Company, além da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), o acordo proibiu a compra de soja cultivada em áreas da Amazônia desmatadas após sua assinatura.
Foi um pacto histórico, que mostrou que cadeias globais de suprimentos poderiam se alinhar à proteção ambiental. Mas quase duas décadas depois, essa iniciativa enfrenta um processo de desgaste. A Aprosoja Mato Grosso e outros grupos do setor pressionam pelo fim do acordo, argumentando que ele vai além do que a legislação brasileira exige. Para eles, a expansão da produção deveria seguir unicamente as regras nacionais, não restrições impostas por empresas estrangeiras.
O impasse ganhou contornos ainda mais sérios quando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu uma investigação sobre possível cartel entre as tradings que aderiram à moratória. Essa ofensiva judicial, apoiada por parlamentares e lobbies do agro, ameaça deslegitimar o pacto.

SAIBA MAIS: A polêmica suspensão da Moratória da Soja antes da COP30
A nova fronteira agrícola
A marcha da soja segue o rastro da fronteira agrícola brasileira. Primeiro avançou do Sul para o Centro-Oeste. Depois ocupou o chamado Matopiba — Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Agora, rompe a última barreira e se expande sobre estados amazônicos como Acre, Rondônia e Amazonas, na região batizada de Amacro.
Em apenas oito anos, o Acre e o Amazonas, antes livres da soja, viram surgir plantações em áreas equivalentes a milhares de campos de futebol. Rondônia quase triplicou sua área cultivada na última década. A Conab prevê nova safra recorde para o próximo ano, e a tendência é de que a pressão sobre a floresta continue.
Felipe Petrone, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), resume a dinâmica: “a ocupação avança, o desmatamento se mantém e a degradação acompanha o processo”. Muitas vezes, áreas de floresta são convertidas em pastagens como etapa intermediária antes da chegada da soja.
A engrenagem da infraestrutura
Por trás desse avanço está uma rede logística bilionária. As gigantes ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus investiram em portos, barcaças e rodovias, redesenhando os fluxos de exportação. Quase 40% da soja e do milho brasileiros já passam por esses novos corredores amazônicos.
Projetos de infraestrutura, como a pavimentação da BR-319, que liga Rondônia ao Amazonas, são vistos por agricultores como essenciais para reduzir custos. Mas para organizações como o Greenpeace e o WWF-Brasil, representam riscos incalculáveis, ao abrir áreas intactas para a exploração ilegal e novos desmatamentos.
O risco de retrocesso
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fortaleceu as agências de fiscalização ambiental após o desmonte do governo anterior, e as taxas de desmatamento caíram desde 2021. No entanto, o avanço da soja pressiona essa política. Para o Observatório do Clima, o risco é transformar o desmatamento em um negócio planejado: derrubar hoje para lucrar amanhã com a valorização da terra.
A União Europeia já deixou claro que não importará soja de áreas desmatadas. Romper com a moratória pode significar perder mercados estratégicos. “Coloca-se em risco a reputação das commodities brasileiras”, alertou o WWF-Brasil.
O futuro da Amazônia, portanto, está em jogo. Não apenas por suas árvores e rios, mas também pela forma como o Brasil se posiciona diante de um mundo que exige desenvolvimento aliado à preservação. A soja é apenas um grão nessa história — mas um grão capaz de redesenhar o destino de uma floresta inteira.







































