Vozes dos territórios ganham força no videocast da FASE


A organização FASE: Solidariedade e Educação lançou no dia 2 de outubro o videocast “Vozes pela justiça: as soluções vêm dos territórios”, iniciativa que pretende dar corpo e ressoar as vozes das comunidades nos debates sobre justiça climática no Brasil, especialmente no contexto da COP30, marcada para ocorrer de 10 a 21 de novembro em Belém (PA). O videocast será composto por quatro episódios, transmitidos ao longo de outubro, e ficará acessível no canal da FASE no YouTube.

Foto: Reprodução / Youtube

A proposta da FASE é mais do que uma série de vídeos: trata-se de conectar saberes locais, práticas de resistência e desafios cotidianos às negociações globais. Em cada episódio, especialistas, lideranças e militantes dialogarão com as realidades dos territórios e com temas estruturantes da agenda climática, mediando essas conversas por membros da própria equipe da FASE. Os temas já definidos são: adaptação climática e cidades (episódio 1, em 02/10), transição justa e falsas soluções (09/10), justiça climática e mulheres (16/10) e financiamento climático, quem paga a conta da crise (23/10).

Para Leticia Tura, diretora executiva da FASE, o videocast atua como escuta ativa e instrumento político: “as vozes das lutas socioambientais por justiça climática precisam ressoar”, ela afirma, lembrando que enfrentar as mudanças climáticas é também enfrentar o racismo ambiental e as desigualdades estruturais que atravessam o país. A iniciativa insere a FASE e seus parceiros da sociedade civil brasileira e latino-americana no espaço da COP30 com outra linguagem — menos corporativa e mais conectada com o chão.

A FASE tem uma história antiga de ação política e educativa. Fundada em 1961, atua como organização não governamental de educação popular e defesa dos direitos humanos. Ela organiza ações junto a comunidades tradicionais, mulheres, povos negros, quilombolas, agricultores familiares e populações vulneráveis. Sua presença nacional conta com unidades em estados como Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Pará, Pernambuco e Rio de Janeiro.

O videocast assume papel estratégico, pois ao mesmo tempo em que reforça narrativas comunitárias, insere essa voz nos momentos decisórios da política climática. Ao aproximar a agenda local e os debates globais — por meio de temas como adaptação urbana, justiça de gênero, falsas soluções tecnológicas e financiamento — o projeto busca descentrar o eixo da tomada de decisão dessas articulações. Em vez de ver os territórios como “alvo” das políticas, a FASE pretende que sejam atores centrais na formulação das respostas climáticas.

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Divulgação

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É possível vislumbrar alguns efeitos esperados dessa iniciativa. Primeiro, ampliar a visibilidade de práticas alternativas e iniciativas que resistem à mercantilização da natureza, estratégias comunitárias de preservação e soberania territorial. Segundo, influenciar formuladores de políticas ao incorporar demandas originárias dos territórios, especialmente aquelas ligadas às desigualdades sociais e ambientais. Terceiro, fortalecer redes de solidariedade e mobilização entre diferentes regiões do país e da América Latina, permitindo que aquelas comunidades que geralmente permanecem periféricas no debate climático sejam ouvidas e contadas.

O videocast também pretende tencionar fórmulas padrão de “soluções climáticas” que, em muitos casos, servem para prolongar desigualdades sob o disfarce de inovação. Ao incluir as temáticas de “transição justa e falsas soluções” em sua grade, a FASE aponta para a necessidade de cuidado com mecanismos como créditos de carbono, mercados regulados, tecnologias emergentes e políticas que tratam floresta, água ou territórios como mercadoria. Essa tensão entre promessa tecnológica e justiça socioambiental é exatamente parte do que o videocast quer iluminar.

Outro destaque no formato é sua mediação: diferentes pessoas da equipe da FASE conduzem cada episódio, reconhecendo que o debate climático não pertence a uma área isolada, mas atravessa gênero, ambiente, poder local e cultura. A presença de Jaqueline Felipe, da FASE Amazônia, no episódio que aborda justiça climática e mulheres, por exemplo, tende a trazer interlocução real com mulheres das regiões amazônicas.

A escolha de focar quatro eixos é estratégica e bem pensada. A adaptação em cidades dialoga com a realidade urbana diante dos impactos climáticos, enchentes, calor extremo, insegurança hídrica. A transição justa questiona quem arca com os custos da descarbonização e se as populações vulneráveis estão incluídas nesse processo. A justiça climática e mulheres resgata como as mulheres, especialmente as mulheres negras, indígenas e rurais, são impactadas de modo diferenciado e como exercem resistência. E finalmente, o episódio sobre financiamento climático tentará responder quem deve pagar a conta da crise climática, um dos nós centrais da COP30.

Em momentos tão marcados por discursos institucionais e eventos protocolares, “Vozes pela justiça — as soluções vêm dos territórios” emerge como instrumento de legitimação discursiva e simbólica para o que muitas vezes não tem visibilidade. Ele reforça que o debate climático não pode esquecer quem vive de fato os impactos e carregam nas costas os modos de vida ameaçados.

Enquanto o Brasil prepara Belém para receber o mundo na COP30, iniciativas como este videocast fortalecem a ambição de que a conferência seja menos uma vitrine de compromissos abstratos e mais um espaço de convergência entre os saberes populares, o ativismo territorial e a diplomacia climática. Ao somar vozes genuínas às narrativas técnicas, a FASE propõe que soluções reais, aquelas nascidas nos corpos, nas memórias e nos espaços dos territórios, possam emergir como agendas legítimas e estratégicas.