Um novo pacto global para manter as florestas em pé: o fundo que vai pagar quem preserva


À beira da COP30, marcada para novembro em Belém (PA), o Brasil propõe um instrumento inédito de financiamento climático que pode transformar a lógica da conservação global: o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês). Em entrevista concedida ao programa A Voz do Brasil, a ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima Marina Silva detalhou como esse mecanismo será capaz não apenas de punir o desmatamento, mas de valorizar quem protege.

Reprodução - Portal para Amazônia

A ambição do TFFF é clara: remunerar os países que mantêm suas florestas tropicais preservadas — estima-se que mais de 70 nações poderão participar desse modelo inovador. A lógica vai além do controle da derrubada; é um reconhecimento financeiro de que preservação também entrega serviço ao equilíbrio climático planetário.

Segundo a ministra, o TFFF será abastecido por aportes de governos e investidores privados. A ideia é captar recursos com juros baixos — por exemplo, com taxas de cerca de 4 % — e emprestá-los com remuneração mais elevada — 5, 6 ou 7 %. A diferença (o “spread”) seria convertida em um fundo que, ao longo do tempo, pudesse gerar um fluxo estável de recursos para pagar os países que mantêm suas florestas em pé. A expectativa é que esse mecanismo movimente cerca de US$ 4 bilhões por ano.

Do lado nacional, o Brasil já anunciou seu compromisso: foi o primeiro país a confirmar aporte de US$ 1 bilhão para o fundo, durante evento na ONU. Essa contribuição pretende sinalizar aos demais que o Brasil assume a liderança — e a responsabilidade — nessa aposta de futuro.

Critérios de elegibilidade e governança

Para participar do TFFF, cada país deverá provar que suas florestas estão sendo efetivamente preservadas. Isso envolve compromissos de longo prazo — entre 25 e 30 anos — e monitoramento rigoroso por satélite, para assegurar que não haja desmatamento além de certo limiar permitido. Também haverá penalidades (ou descontos) para áreas desmatadas ou degradadas. Um diferencial é que obrigatoriamente 20 % dos recursos serão destinados a povos indígenas e comunidades tradicionais, valorizando quem historicamente cuida da floresta.

A governança do TFFF deverá contar com participação multilateral, com países doadores, países detentores de florestas, povos tradicionais e representantes da sociedade civil. A proposta busca uma estrutura transparente e inclusiva, capaz de evitar assimetrias e assegurar que os recursos efetivamente cheguem a quem preserva.

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Min. Marina Silva Marcelo Camargo Agência Brasil

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Não se trata de uma proposta simples ou sem riscos. Para decolar, o TFFF precisa conquistar compromissos robustos de financiamento — inclusive do setor privado — e operar com credibilidade técnica e institucional. Países, investidores e organizações ambientais já vêm discutindo salvaguardas socioambientais, critérios de mensuração do desmatamento e mecanismos de responsabilização.

Se bem-sucedido, o TFFF pode se juntar a instrumentos históricos de conservação, como o Fundo Amazônia, mas com escala global e estrutura inovadora de remuneração por desempenho. Seus defensores enxergam nele a chance de transformar o modo como o mundo investe na floresta — de doações tradicionais para um modelo orientado por resultados.

Contexto climático e relevância da COP30

A COP30, presidida pelo Brasil, será palco para a entrega oficial do TFFF. A proposta já ganhou tração internacional: durante a Semana de Ação Climática em Londres, representantes de dezenas de países manifestaram apoio ao fundo e ao seu modelo de remuneração por floresta conservada.  O grupo dos BRICS também assumiu publicamente compromisso com o mecanismo.

Para países tropicais, a proposta soa como uma oportunidade inédita: em vez de “ser penalizados por desmatar menos”, poderiam “ser recompensados por não desmatar mais”. Essa mudança de lógica fortalece incentivos à preservação e dá previsibilidade a políticas ambientais nacionais.

Se o Brasil conseguir transformar o TFFF em realidade operacional na COP30, estará propondo ao mundo um novo pacto: o de pagar quem cuida da floresta — especialmente nos espaços que mais precisam de apoio. É uma aposta de que proteger florestas pode ser remunerador, justo e estratégico para o equilíbrio climático global.