O quinto dia da COP30, em Belém, terminou com um gesto político que ampliou o debate sobre justiça climática na Amazônia. Após o bloqueio pacífico organizado pelo povo Munduruku na entrada da Zona Azul, área restrita às negociações oficiais da conferência, o governo brasileiro anunciou que realizará uma consulta formal às comunidades indígenas do rio Tapajós sobre o projeto de hidrovia planejado para a região. A declaração foi feita pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, durante o encerramento da Cúpula dos Povos, espaço paralelo que reuniu milhares de participantes ao longo da semana.

Boulos afirmou que o governo cumprirá o direito à consulta livre, prévia e informada, previsto em tratados internacionais de que o Brasil é signatário. Ele também informou que a Secretaria-Geral da Presidência criará uma mesa permanente de diálogo com representantes das comunidades do Tapajós, com reuniões previstas em Brasília. Segundo o ministro, a decisão foi discutida diretamente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o chefe da Casa Civil, Rui Costa.
O ministro reforçou que o governo dará continuidade ao processo de demarcação de terras indígenas. De acordo com ele, a orientação do presidente Lula é ampliar o número de territórios homologados até o próximo ano, como parte de um compromisso de proteção ambiental e respeito aos povos originários.
O protesto que desencadeou a resposta do governo ocorreu na manhã de sexta-feira. Os Munduruku bloquearam a entrada de credenciados da conferência e reivindicaram uma reunião direta com o presidente Lula. A mobilização também pediu a revogação do Decreto nº 12.600/2025, que autoriza a privatização de empreendimentos hidroviários federais nos rios Madeira, Tocantins e Tapajós, tema sensível para comunidades que dependem da integridade ecológica e social dessas áreas. A construção da Ferrogrão, planejada para conectar o Mato Grosso ao Pará, também esteve no centro das críticas devido aos impactos previstos sobre territórios indígenas e áreas de floresta.
Após o protesto, lideranças Munduruku foram recebidas pelo presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, acompanhado da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. A presença de autoridades reforçou o espaço político conquistado pelos movimentos sociais durante a conferência.
Na Cúpula dos Povos, Boulos destacou que as manifestações que ocorreram durante a COP30 demonstram que a sociedade está disposta a disputar o rumo das decisões climáticas. Para ele, a presença massiva de movimentos sociais e povos tradicionais na conferência simboliza a vitalidade da participação popular e funciona como contraponto às negociações diplomáticas muitas vezes distantes do cotidiano das comunidades mais impactadas pela crise climática.

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No mesmo dia, foi divulgada a carta final da Cúpula dos Povos, sintetizando cinco dias de debates e intercâmbios entre mais de 1,3 mil organizações. O documento critica o que chama de “falsas soluções” propostas por governos e corporações para enfrentar a crise ambiental. Defende que a emergência climática é consequência direta do modelo de produção capitalista, que, segundo o texto, se apoia na exploração de territórios, populações periféricas e recursos naturais.
A carta aponta que empresas transnacionais dos setores de mineração, energia, agronegócio, tecnologia e armamentos figuram entre os principais agentes da degradação ambiental global. O documento também reivindica demarcação de terras indígenas, reforma agrária, incentivo à agroecologia, abandono dos combustíveis fósseis e criação de mecanismos de financiamento público para uma transição justa, com taxação progressiva sobre grandes corporações e os mais ricos.
A Cúpula dos Povos reuniu cerca de 70 mil pessoas ao longo de cinco dias. A diversidade de participantes – indígenas, quilombolas, ribeirinhos, trabalhadores urbanos, marisqueiras, camponeses, sindicatos, juventudes, população em situação de rua, povos de terreiro, comunidades LGBTQIAPN+, extrativistas e movimentos internacionais – reforçou o caráter plural do evento. As discussões duraram até o domingo, quando um grande banquetaço ocupou a Praça da República, encerrando simbolicamente a programação com comida comunitária e celebrações culturais abertas ao público.
No conjunto, os episódios do fim de semana revelaram a força política dos povos da Amazônia na COP30 e deixaram claro que decisões sobre megaprojetos na região não poderão ser tomadas sem consulta, diálogo e respeito a quem vive e preserva o território.








































