A nova geração de telescópios deverá proporcionar um aumento explosivo no conhecimento do Universo – tanto dos objetos mais distantes, portanto mais antigos, quanto daqueles que estão relativamente próximos da Terra, no interior do Sistema Solar. Um desses novos observatórios, o Vera C. Rubin, previsto para entrar em funcionamento daqui a um ano, em Cerro Pachón, norte do Chile, a 2.682 metros de altitude, será equipado com um telescópio refletor de 8,4 metros de diâmetro e uma câmera de 3.200 megapixels e seis filtros ópticos diferentes. Com tais recursos, poderá captar imagens de todo o céu visível a cada três ou quatro noites. E deverá operar todas as noites ao longo de pelo menos dez anos. Estima-se que isso possibilite descobrir cerca de 20 bilhões de galáxias e identificar até 2 bilhões de novos objetos dentro do nosso Sistema Solar.
No rol das novas descobertas, prevê-se um enorme acréscimo no número de asteroides conhecidos: sua composição física, movimento orbital e classificação em famílias. Para viabilizar o processamento da descomunal massa de novos dados, pesquisadores do grupo Machine-learning Applied to Small Bodies (MASB), coordenado por Valerio Carruba no Departamento de Matemática da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Guaratinguetá, desenvolveram recursos de inteligência artificial que permitem encurtar de meses para segundos o tempo de análise e classificação das dinâmicas orbitais de asteroides.
O estudo – intitulado Optimization of artificial neural networks models applied to the identification of images of asteroids’ resonant arguments –, publicado em dezembro do ano passado na revista Celestial Mechanics and Dynamical Astronomy, foi agora premiado na The Eighth International Meeting on Celestial Mechanics (Oitavo Encontro Internacional de Mecânica Celeste), na categoria “Innovative computational methods in dynamical astronomy” (Métodos computacionais inovadores em dinâmica astronômica). A cerimônia de premiação está agendada para 12 de setembro, em Roma (Itália).
“Testamos três redes neurais artificiais distintas para analisar e classificar imagens referentes às dinâmicas orbitais de asteroides. Esse trabalho, que fazíamos antes comparando visualmente as imagens astronômicas colhidas em diferentes datas, levava semanas e até mesmo meses para ser concluído. Com a utilização das novas técnicas computacionais, pudemos realizá-lo em alguns segundos. Além de identificarmos os pontos fracos das três redes investigadas, e elegermos e aperfeiçoarmos a rede adequada, o estudo nos possibilitou descobrir novas famílias jovens de asteroides, nunca antes identificadas”, conta Carruba à Agência FAPESP.
A classificação em famílias considera o formato, o tamanho e a inclinação das órbitas dos asteroides em relação a outro corpo celeste. “No momento da formação de uma família de asteroides, todos os pericentros [pontos no quais as trajetórias mais se aproximam do Sol] e os nodos ascendentes [pontos nos quais as órbitas cruzam, de baixo para cima, um plano de referência] dos integrantes estão alinhados. Mas, com o tempo, esses alinhamentos são perdidos, devido às perturbações gravitacionais produzidas pelos planetas e, até mesmo, por asteroides massivos. Com base nos dados atuais, as técnicas computacionais possibilitam retroceder ao passado, até a época em que os parâmetros estavam alinhados, caso a família tenha se formado nos últimos 7 milhões de anos, aproximadamente. E, assim, caracterizar a família”, explica Carruba.
A colisão de dois asteroides pode levar à fragmentação de um deles ou dos dois, originando uma família com vários objetos. Outro caminho para a formação de uma família é a fissão, que consiste na ejeção de matéria pelo corpo predecessor, seja por ter adquirido uma rotação muito rápida em torno do próprio eixo, seja por ter sofrido colisão.
Os asteroides são relíquias da formação inicial do Sistema Solar, ocorrida há cerca de 4,5 bilhões de anos, e das violentas reconfigurações que aconteceram depois, devido às perturbações gravitacionais produzidas pela formação dos planetas gigantes, especialmente Júpiter e Saturno. Em função dessa dinâmica complexa, existem atualmente duas regiões com grande concentração de corpos menores: o Cinturão Principal de Asteroides, localizado entre as órbitas de Marte e Júpiter, e o Cinturão de Kuiper, que se estende além da órbita de Netuno.
A partir dos dados de observação disponíveis atualmente, a Nasa (a agência espacial norte-americana) contabilizou 1.298.691 asteroides. Embora esse número já seja muito grande, estima-se que deverá crescer enormemente com as novas imagens do céu que serão colhidas pelo Observatório Vera C. Rubin. Esse nome é uma homenagem a uma das grandes cientistas mulheres que não foram devidamente reconhecidas em sua época. Entre suas várias contribuições à ciência, a astrônoma norte-americana Vera Cooper Rubin (1928-2016) foi pioneira no estudo das curvas de rotação das galáxias espirais. E mostrou que a velocidade de rotação nas regiões externas dessas galáxias é muito maior que aquela que seria produzida por suas estrelas. Tal discrepância é tida como uma das principais evidências da existência de matéria escura.
O estudo em pauta foi parcialmente apoiado pela FAPESP, por meio de Bolsa de Iniciação Científica concedida a Marcos Vinicios Faria Lourenço, orientando de Carruba.
O artigo Optimization of artificial neural networks models applied to the identification of images of asteroids’ resonant arguments pode ser acessado em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10569-022-10110-7.