Energia

Ibama veta usina a gás em Brasília por risco ambiental e social

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indeferiu o pedido de licença prévia para a construção da Usina Termelétrica Brasília, projeto da empresa Termo Norte Energia Ltda, planejado para a região de Samambaia, no Distrito Federal. A decisão, emitida após meses de análise técnica e consultas públicas, encerra, ao menos por enquanto, uma das mais controversas propostas energéticas do país.

De acordo com o parecer do Ibama, o empreendimento apresenta inviabilidades ambientais e sociais graves. A instalação da usina colocaria em risco o equilíbrio ecológico do Cerrado, pressionando áreas de pouso de aves migratórias e comprometendo ainda mais o Rio Melchior, um curso d’água classificado como de Classe 4, o nível mais crítico na escala de qualidade ambiental. Atualmente, o rio já sofre com poluição elevada e acúmulo de efluentes, o que tornaria insustentável o despejo adicional previsto pelo projeto.

Além dos impactos ambientais diretos, o órgão identificou pendências legais e técnicas. A empresa não obteve a Certidão de Uso e Ocupação do Solo, documento exigido pela Resolução nº 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e teve sua autorização para uso de recursos hídricos suspensa pela Justiça. Esses elementos, segundo o Ibama, configuram descumprimento das normas básicas de licenciamento ambiental.

Mas foi o impacto social que consolidou o indeferimento. A área escolhida para o projeto, na Fazenda Guariroba, afetaria diretamente a Escola Classe Guariroba, onde estudam mais de 560 crianças. O deslocamento forçado da comunidade escolar, de acordo com o parecer, representaria “um dano pedagógico, social e cultural irreversível”, ferindo o direito constitucional à educação e o princípio do interesse público.

A decisão do Ibama foi celebrada por organizações ambientais e comunidades locais. O Instituto Internacional Arayara, uma das entidades que lideraram a mobilização popular, afirma que a UTE Brasília destruiria quase 32 hectares de vegetação nativa do Cerrado, captaria 110 mil litros de água por hora e lançaria 104 mil litros de efluentes no Rio Melchior. O instituto também destacou os riscos à saúde pública: a usina emitiria cerca de 4,7 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO₂) equivalentes por ano, agravando a poluição atmosférica e os índices de doenças respiratórias no Distrito Federal.

Segundo John Wurdig, gerente de Transição Energética da Arayara, a mobilização comunitária foi decisiva. “O Ibama tomou essa decisão técnica graças à pressão das comunidades de Ceilândia, Samambaia e Sol Nascente. Foram mais de 100 eventos em 11 meses, envolvendo milhares de pessoas. Foi a maior mobilização comunitária já vista contra um empreendimento fóssil no Distrito Federal.”

AGU/Divulgação

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A negativa de licença também inviabiliza outras três termelétricas — UTE Bonfinópolis, UTE Centro-Oeste e UTE Brasil Central — todas conectadas ao projeto do Gasoduto Brasil Central (TGBC), um corredor de mais de 900 quilômetros planejado para ligar São Carlos (SP) a Brasília. O licenciamento do gasoduto, segundo o Ibama, está vencido há mais de seis anos.

Em nota, o diretor técnico da Arayara, Juliano Bueno, que também integra o Conama, classificou o caso como exemplo de “racismo institucionalizado”. “Instalar uma termelétrica às margens de um rio degradado, demolindo uma escola pública para queimar gás e gerar energia cara é um retrato do que ainda precisa mudar na nossa política energética”, afirmou.

A Termo Norte Energia Ltda, por sua vez, informou que analisa o parecer emitido pela Diretoria de Licenciamento Ambiental (Dilic) do Ibama e que avaliará “as medidas cabíveis dentro do prazo legal”. A empresa reafirmou seu “compromisso com o diálogo institucional e com o cumprimento da legislação ambiental brasileira”.

Com a decisão, a UTE Brasília fica impedida de participar do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP), previsto pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para 2026 — um revés significativo para o setor termelétrico. O episódio reacende o debate sobre o papel dos combustíveis fósseis na matriz energética nacional e reforça o apelo social por uma transição mais limpa e justa, capaz de equilibrar desenvolvimento econômico e integridade ambiental.

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