Identificação de raias e tubarões avançam, mas risco de extinção persistem

Autor: Redação Revista Amazônia

Estudo na identificação de espécies ameaçadas

As técnicas moleculares mais avançadas têm sido essenciais na identificação de espécies ameaçadas de elasmobrânquios, um grupo que inclui tubarões e raias. Essas técnicas são fundamentais para a fiscalização do comércio de produtos derivados desses animais, como carne e nadadeiras. No entanto, um estudo publicado na revista Biological Conservation por cientistas brasileiros revela que 15 anos de pesquisas no Brasil sobre essas técnicas não diminuíram o grau de ameaça das espécies.

estudo
Pesquisa na identificação das espécies

Pior ainda, algumas espécies estão mais ameaçadas do que antes. Das 64 espécies encontradas no comércio brasileiro, 83% são consideradas em risco de extinção. Trinta e três dessas espécies tiveram seu grau de ameaça ampliado na última década e meia, segundo a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

Comércio de elasmobrânquios

“O comércio de espécies ameaçadas de elasmobrânquios é proibido no Brasil, mas esses animais são vendidos como outros peixes ou como ‘cação’ em supermercados, feiras livres e peixarias, um termo genérico que oculta se o consumidor está ou não levando para casa uma espécie ameaçada”, explica Marcela Alvarenga, primeira autora do estudo e doutoranda na Universidade do Porto, Portugal, e colaboradora do Centro Nacional para Identificação Molecular do Pescado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Cenimp-UFRJ).

Na maioria dos casos, é impossível identificar a espécie vendida a partir do filé ou da posta. Mesmo quando o animal está quase inteiro no ponto de venda, a cabeça e as nadadeiras, necessárias para a identificação pela morfologia, normalmente faltam. Portanto, a identificação mais precisa é feita por sequenciamento de um ou mais genes.

“Fazer isso demanda dinheiro. Mesmo com equipamentos e pessoal capacitado, os reagentes são, em sua maioria, importados. Nos últimos anos, técnicas com ótimo custo-benefício foram desenvolvidas e podem identificar até mesmo o DNA degradado nas barbatanas, que são secas ao sol por dias antes de serem exportadas para a Ásia”, completa Rodrigo Domingues, pesquisador do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP) e coordenador de um projeto apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa BIOTA.

Domingues se refere ao comércio internacional de barbatanas, cujo alto valor, principalmente na China, tornou os tubarões alvo da pesca predatória. A legislação brasileira, pioneira no combate ao finning (prática de retirada das nadadeiras a bordo, jogando o animal agonizante de volta ao mar), exige que os animais cheguem inteiros no desembarque, resultando em uma grande oferta de carne, cujo valor de mercado aumentou com o tempo.

Ao contrário de outras espécies de raia, as raias-violas, incluindo uma espécie “Criticamente em Perigo” segundo a IUCN (Pseudobatos horkelii), têm alto valor de mercado. Em alguns mercados do Rio de Janeiro, por exemplo, a carne de tubarão pode valer mais do que a de outros pescados. Além da sobrepesca, tubarões e raias são gravemente afetados pela pesca incidental, em que embarcações que buscam peixes historicamente valorizados acabam capturando elasmobrânquios, muitos dos quais ameaçados de extinção.

Técnicas avançam, mas proteção retrocede

O estudo analisou 35 artigos científicos publicados entre janeiro de 2008 e junho de 2023. Observou-se que, até 2014, a maioria dos estudos focava no desenvolvimento de técnicas moleculares para identificação rápida do pescado, visando baratear e acelerar a determinação das espécies. A partir de 2015, os trabalhos passaram a aplicar essas técnicas diretamente em produtos de raias e tubarões, principalmente com a técnica de sequenciamento de DNA a partir de 2018.

Apesar desses avanços, o grau de ameaça das espécies não diminuiu. No período estudado, apenas uma espécie teve um decréscimo no risco de extinção: a raia-ticonha (Rhinoptera brasiliensis) foi de “Em Perigo” para “Vulnerável”. Outras 33 espécies tiveram o nível de ameaça aumentado, com 17 espécies que não estavam em risco de extinção passando a figurar entre as ameaçadas, e outras sete subindo em mais de uma categoria de risco.

Catorze espécies anteriormente consideradas “Deficientes de Dados” passaram a ser classificadas em algum grau de ameaça, incluindo duas altamente exploradas na costa brasileira, conhecidas como cação-frango (Rhizoprionodon lalandii e R. porosus), ambas agora “Vulneráveis”.

Alertas que não foram ouvidos

“Achava-se que o cação-frango, devido à sua rápida taxa de reprodução, não sofreria as mesmas ameaças que outros tubarões. Contudo, estudos anteriores já haviam alertado sobre a alta pesca do cação-frango, alertas que não foram ouvidos. Infelizmente, o resultado é o que estamos vendo”, conta Alvarenga.

“Nosso trabalho destaca a importância do uso de técnicas moleculares para monitoramento e fiscalização do pescado. Infelizmente, essa pesquisa é feita de forma pontual, com uma tese de doutorado aqui, uma dissertação de mestrado ali, quando deveria ser sistemática”, aponta Domingues.

Antonio Solé-Cava, coordenador do Cenimp-UFRJ, destaca que quando a fiscalização é mais intensa, como na indústria de processamento pesqueiro fiscalizada pelo Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), as taxas de substituição de espécies ou fraude são muito menores.

Isso pode ser observado em peixes comercializados em supermercados, sob fiscalização do Dipoa, quando comparados ao comércio em feiras, peixarias e restaurantes, onde a taxa de substituição ou fraude é elevada.

Extinção de tubarões e raias ameaçam

extinção
Tubarões e raias

Além da disponibilidade de pescado, a redução e extinção de tubarões e raias ameaçam a biodiversidade marinha. Esses peixes são predadores de topo de cadeia alimentar e mesopredadores, ajudando a regular o ecossistema, removendo indivíduos frágeis e doentes e controlando os níveis populacionais de diversas espécies.

Por serem predadores de topo, tubarões e raias acumulam altas taxas de mercúrio, tornando o consumo de sua carne perigoso. O monitoramento constante poderia ajudar a compreender o grau de ameaça das espécies, avaliar tendências do mercado desses produtos e ajustar a legislação para proteger as espécies e a saúde humana, alertando sobre o consumo seguro.

O artigo “Fifteen years of elasmobranchs trade unveiled by DNA tools: Lessons for enhanced monitoring and conservation actions” pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0006320724001046


Edição atual da Revista Amazônia

Assine nossa newsletter diária