Isabel, A Tatu-Canastra que Revelou ao mundo detalhes de sua espécie

Autor: Redação Revista Amazônia

 

Encontrar um tatu-canastra, mesmo em seu habitat natural, como o Pantanal, é uma ocorrência rara. Este animal, encontrado apenas em países da América Latina, é noturno, solitário, e passa a maior parte de sua vida em tocas subterrâneas.

Aqueles que têm a sorte de encontrá-lo ficam impressionados. O tatu-canastra é a maior espécie de tatu, podendo pesar até 60 kg, medir 1,5 metros de comprimento e possuir garras de até 20 centímetros no terceiro dedo – as mais longas do reino animal.

Até recentemente, havia poucas informações sobre a espécie. Dados sobre comportamento e reprodução, considerados básicos entre biólogos, eram escassos, tornando o tatu-canastra um enigma. “Isabel, como a chamamos mais tarde, foi o primeiro animal da espécie que conseguimos monitorar. No começo, eu passava noites em claro tentando segui-la a pé, e de manhã procurava pelo buraco de sua toca”, relata Desbiez.

Foi através das descobertas feitas com Isabel, uma fêmea de tatu-canastra que hoje tem cerca de 20 anos, que o mundo pôde conhecer informações valiosas sobre a espécie.

“Como cientistas, não devemos ter animais favoritos, mas confesso que Isabel é meu tatu favorito. Ela foi nossa professora sobre a espécie. Nos ensinou sobre a movimentação do tatu-canastra, seleção de habitat, características de reprodução… Com ela, temos muitas ‘primeiras descobertas’.”

As descobertas feitas com Isabel foram o primeiro passo, mas depois os dados foram confirmados e analisados com mais de 40 animais em outros biomas, como o Cerrado e a Mata Atlântica. Desbiez explica que as descobertas abaixo – sobre ecologia e biologia de toda uma espécie – não poderiam ser baseadas em um único animal.

Em 2017, o documentário da BBC ‘Hotel Armadillo: Natural World’, revelou ao mundo as descobertas preciosas dos primeiros sete anos de estudo. Entre elas, o filme mostra as primeiras imagens de um filhote de tatu-canastra já registradas: Isabel e sua cria durante a noite, capturadas por uma armadilha fotográfica.

“Flagramos Isabel compartilhando uma toca com um macho e cinco meses depois tivemos o registro do primeiro filhote, foi super emocionante”, lembra Desbiez.

Antes, a ciência não sabia a duração da gestação e nem que a fêmea gesta um filhote por vez. Ao longo dos anos, Desbiez e sua equipe, hoje composta por 20 pessoas, continuaram a encontrar peças para montar o quebra-cabeça de reprodução da espécie.

“Nossos estudos mostram que o tatu-canastra atinge a maturidade sexual entre sete e nove anos, e quando a conhecemos, Isabel já tinha reproduzido, algo que confirmamos ao testar uma amostra genética e descobrir um animal que nasceu dela. Com isso, conseguimos estimar a idade dela quando começamos o projeto.”

Em 2023, novas imagens de Isabel com um filhote, seu quarto descendente, surpreenderam a equipe, já que mostravam que um tatu com mais de 20 anos pode continuar se reproduzindo.

“A idade máxima de reprodução, até que um animal se reproduza na natureza, é um dado crucial para muitos modelos populacionais. É importante para o cálculo para o tempo de geração e também para categorizar o animal na lista vermelha. Mais uma vez, é Isabel quem traz esse dado para nós.”

O cuidado parental das mães tatu-canastra com seus filhotes foi outra descoberta importante para a equipe.

“É um animal tão forte e robusto, e quando vemos a delicadeza como ela trata o filhote, não dá para não se emocionar”, diz Desbiez.

Pela observação de diferentes animais da espécie constatou-se que a cada 15 dias, a mãe leva o filhote para um buraco diferente.

“Ela guia o pequeno, que está cego até 50 dias (mais uma coisa que descobrimos com Isabel), até outro buraco, que vai ser mais ou menos 200 metros mais longe”, narra o pesquisador.

Quando as fêmeas saem, fecham seus buracos jogando terra e material vegetal com suas garras afiadas, algo que não fazem quando estão sozinhas.

“Com as armadilhas fotográficas que acompanharam Isabel conseguimos compreender tudo nesse passo a passo, quanto tempo ela fica fora para se alimentar, quando volta para amamentar, e os momentos ‘carinhosos’ entre mãe e filhote.”

A amamentação é exclusiva até os 6 e 8 meses de idade e o desmame acontece quando a cria completa um ano. Mesmo depois, o filhote continua dependente da mãe até os 18 meses de idade, e até os dois anos ainda é encontrado dentro do território da mãe.

Testes genéticos também mostraram que os filhotes dela foram de machos diferentes, indicando que as fêmeas da espécie têm mais de um parceiro – algo que se confirmou com outros tatus-canastra observados.

“Os machos podem vir muito longe, eles têm um comportamento exploratório, visitam as tocas das fêmeas quando elas estão no cio. Mas no território da Isabel já tinha dois machos, o que facilitou a reprodução.”

Foi também com Isabel que o grupo documentou algo que nunca foi visto em outros animais durante 13 anos de pesquisa.

“Quando um filhote de Isabel tinha quatro semanas, um macho que morava a mais de 15 km veio, a expulsou da toca e matou seu filhote. Oito meses depois, descobrimos que ela estava grávida desse mesmo macho. Isso indica que o macho cometeu o assassinato para fazer com a fêmea voltasse ao período de cio de forma mais rápida, já que normalmente elas reproduzem uma vez a cada três anos”, conta Desbiez.

No Pantanal, os pesquisadores conseguiram descobrir que as áreas preferidas dos tatus-canastra são os chamados de Murundu, pequenos campos elevados, geralmente com um cupinzeiro no meio e a vegetação do Cerrado ao redor.

Ali, Isabel e outros tatus-canastra fazem a toca embaixo do cupinzeiro para proteger a si e a eventuais filhotes de predadores como jaguatiricas e onças-pardas.

As primeiras imagens feitas do buraco, que claro, eram da casa de Isabel, mostram que, quando ela não estava em casa, a toca foi utilizada por dezenas de outras espécies.

Entre alguns dos visitantes estavam pequenos roedores, que se aproveitaram da toca procurar alimentos e fugir do calor, tamanduás-mirim, que se abrigaram para se proteger de predadores e descansar, e catetos, que usaram a terra da toca do tatu para se refrescarem.

No Pantanal, a densidade populacional estimada pelo ICAS em 2021 era de 7 e 8 indivíduos para cada 100 km².

A área de vida abrange cerca de 25 km² – um território quase exclusivo para cada indivíduo. Cada animal é capaz de percorrer, em média, 1.6 km, durante uma única noite. Machos tendem a se movimentar mais quando estão procurando fêmeas no cio.

Dados do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), mostraram que a população do tatu-canastra diminuiu em 30% nos últimos 24 anos como resultado de caça, desmatamento, atropelamento em rodovias e fogo.

“Sobre este último, bastante comum no Pantanal, reconhecemos a importância do fogo como ferramenta essencial no manejo tradicional de pastagens, mas incêndios fora de controle representam um perigo significativo.”

Em parceria com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IP) a Fazenda Baia das Pedras, onde o projeto tem sede, o grupo de Desbiez estabeleceu uma brigada comunitária em 2021.

“Anualmente, realizamos três treinamentos, fornecemos equipamentos para os vizinhos das fazendas”.


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