Jovens da Região dos Lagos se tornam guardiões dos cavalos-marinhos


Um curso que transforma jovens em guardiões da laguna

A cena da formatura, realizada em Iguaba Grande, marca mais do que o encerramento de um curso: simboliza o início de uma nova relação entre jovens moradores da Região dos Lagos e o território onde vivem. O Projeto Cavalos-Marinhos concluiu a formação da primeira turma de guardiões dos cavalos-marinhos, reunindo 31 crianças e adolescentes entre 12 e 14 anos que, durante três meses, mergulharam no conhecimento sobre a Laguna de Araruama e os delicados ecossistemas que a cercam.

Foto: Geraldo da Silva Souza

As aulas aconteceram no Espaço Educativo Cavalos-Marinhos, no Rio de Janeiro, e combinaram teoria, vivências de campo e contato direto com pesquisadores. O ponto alto da formação foi o primeiro mergulho de monitoramento ambiental, realizado no dia 27 de novembro, na praia dos Ubás, dentro da própria laguna. Para muitos dos jovens, foi o primeiro contato subaquático com o ambiente que antes viam apenas da margem.

Mais do que ensinar conceitos técnicos, o curso buscou despertar um sentimento de pertencimento. A proposta foi fazer com que os participantes reconhecessem a laguna como parte fundamental de suas vidas, entendendo que cuidar do ambiente é também cuidar da própria cidade, da saúde coletiva e do futuro local.

O cavalo-marinho como símbolo de cuidado e pertencimento

Escolher o cavalo-marinho como eixo central do projeto não foi uma decisão casual. Trata-se de um animal extremamente sensível às alterações ambientais, cuja presença indica a qualidade do ecossistema. Segundo a coordenadora do projeto, Natalie Freret-Meurer, o cavalo-marinho funciona como um “ícone pedagógico”: ao compreender a fragilidade dessa espécie, os jovens passam a enxergar a laguna como um espaço vivo que precisa de atenção constante.

A partir da formatura, os participantes assumem oficialmente o papel de guardiões. Na prática, isso significa observar o entorno da Laguna de Araruama, identificar atitudes positivas e negativas e refletir sobre como comportamentos cotidianos — como o descarte inadequado de resíduos — afetam diretamente a qualidade da água, a fauna e a própria população humana.

Reduzir o consumo de descartáveis, não jogar lixo na laguna e orientar familiares e vizinhos tornam-se ações concretas dentro dessa nova missão. A ideia central é simples e poderosa: um ambiente saudável é essencial tanto para os cavalos-marinhos quanto para as pessoas que vivem ao redor da laguna.

guardioes_cavalos-marinhos_iguaba_grande_-_monitoramento_-_acervo_projeto_cavalos-marinhos_9-1-400x267 Jovens da Região dos Lagos se tornam guardiões dos cavalos-marinhos
Projeto Cavalos-Marinhos/Divulgação

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Educação ambiental em rede e parcerias locais

O projeto Guardiões dos Cavalos-Marinhos é uma iniciativa do Projeto Cavalos-Marinhos, realizada em parceria com a Prefeitura de Iguaba Grande, município da Região dos Lagos fluminense. A formação contou ainda com a participação de outras organizações que ampliaram o olhar dos jovens sobre a biodiversidade marinha.

Pesquisadores do Projeto Albatroz falaram sobre aves marinhas; o Projeto Mantas do Brasil apresentou informações sobre raias e grandes espécies oceânicas; e a organização BW, especializada em resgate de fauna marinha debilitada, contribuiu com relatos sobre reabilitação de animais. Esse conjunto de vozes ajudou os guardiões a entender que o cavalo-marinho faz parte de uma teia de vida muito mais ampla.

Um dos conteúdos centrais da formação foi a legislação ambiental. Os jovens aprenderam que a captura de cavalos-marinhos é proibida pela norma 455 do Ministério do Meio Ambiente e que apenas pesquisadores licenciados podem manusear esses animais para fins científicos. A partir de agora, os guardiões também atuam como multiplicadores dessa informação, orientando a população local e turistas.

Conservação, inclusão social e saúde única

Com 23 anos de atuação em todo o estado do Rio de Janeiro, o Projeto Cavalos-Marinhos mantém suas atividades com apoio do Programa Petrobras Socioambiental. Seu lema, Transformar para Conservar, resume uma abordagem que vai além da proteção da fauna.

O projeto desenvolve ações sociais junto a mulheres caiçaras, incentivando a produção de biojoias a partir do reaproveitamento de escamas de peixes e de redes de pesca abandonadas, que se transformam em artesanato. A proposta é gerar renda, fortalecer a identidade local e reduzir impactos ambientais de forma integrada.

Além disso, a iniciativa atua fortemente na educação ambiental, na formação de professores da educação infantil e na capacitação de guarda-parques de unidades de conservação. Embora o cavalo-marinho seja o símbolo, o enfoque está sempre no ecossistema como um todo.

Essa visão se insere no conceito de saúde única, que reconhece a interdependência entre a saúde humana, a saúde animal e a saúde ambiental. Proteger a laguna, nesse sentido, não é apenas uma ação ecológica, mas uma estratégia para promover qualidade de vida, bem-estar social e equilíbrio ambiental.

O projeto também orienta a população sobre como agir ao encontrar cavalos-marinhos. Animais vivos devem ser apenas observados, nunca tocados, e o avistamento pode ser registrado no site da organização. Em caso de animais mortos ou feridos, o contato deve ser feito diretamente com o Projeto Cavalos-Marinhos, para que o resgate e os estudos científicos sejam realizados. Crimes ambientais podem ser denunciados ao Ibama pelo telefone 0800 61 8080 ou pelos canais oficiais do órgão.

Ao formar jovens guardiões, o projeto planta sementes de cuidado que tendem a se espalhar pela comunidade, reforçando a ideia de que a conservação começa no olhar atento de quem vive o território todos os dias.