Três indicações ao principal festival mundial de cinema de natureza colocam uma produção brasileira, indígena e amazônica sob os holofotes internacionais. O documentário YANUNI, codirigido e protagonizado por Juma Xipaia, primeira cacica do povo Xipaya, e produzido por Leonardo DiCaprio, foi indicado nas categorias de Melhor Longa-Metragem, Planeta em Crise e Pessoas e Natureza no Jackson Wild Media Awards 2025, considerado o Oscar do cinema de natureza.

A premiação internacional, que reconhece filmes com alto impacto ambiental e narrativas potentes sobre ciência e conservação, anunciou os finalistas no dia 4 de agosto. Os vencedores serão conhecidos em 2 de outubro, durante o Jackson Wild Summit, no Jackson Hole Center for the Arts, nos Estados Unidos.
YANUNI retrata, em profundidade e com força emocional, a trajetória de resistência de Juma Xipaia e de seu companheiro, o agente do Ibama Hugo Loss. A história percorre momentos-chave da atuação do casal contra o avanço do garimpo, da mineração e do desmatamento ilegal na Amazônia. A câmera acompanha de forma íntima, mas com dimensão épica, a liderança de Juma em seu território e, mais tarde, em Brasília, quando assume um cargo nacional no Ministério dos Povos Indígenas.
Com direção de Richard Ladkani — conhecido por documentários como Perseguição em Alto Mar e O Extermínio do Marfim —, o filme é uma produção da Malaika Pictures, com apoio de organizações como Appian Way, Nia Tero, Age of Union e Tellux Group. Também participam como produtores executivos nomes reconhecidos do audiovisual ambiental, como Joanna Natasegara e Dax Dasilva. No Brasil, a trilha sonora conta com composições e vozes indígenas, incluindo Katú Mirim e Djuena Tikuna.
Segundo a própria Juma Xipaia, a produção do documentário é uma forma de amplificar a voz dos povos originários da Amazônia diante do mundo. “YANUNI é o caminho e a ferramenta que escolhemos para ampliar nossas vozes sobre a devastação que a nossa terra, a nossa casa e o nosso povo enfrentam todos os dias. Esta é uma produção que fala de nós, indígenas da Amazônia, e é feita também por nós”, afirmou. “Estamos muito felizes em ver esse trabalho reconhecido mundialmente em uma premiação tão importante para a área ambiental. Nossa ação pela defesa da floresta vai ter mais visibilidade e ganhar cada vez mais parceiros nessa luta.”
A força de Juma
Nascida em Altamira (PA), na região do Médio Xingu, Juma assumiu o posto de cacica da aldeia Kaarimã em 2016, aos 24 anos, tornando-se a primeira mulher a liderar oficialmente seu povo. Desde então, sua atuação tem se destacado em frentes políticas, judiciais e ambientais, enfrentando tanto corporações multinacionais quanto interesses locais ligados ao garimpo e à grilagem de terras indígenas.
Ao longo da última década, Juma denunciou violações causadas por grandes projetos de infraestrutura — como a hidrelétrica de Belo Monte — e a presença de mineradoras, como a canadense Belo Sun, em áreas de extrema vulnerabilidade socioambiental. Suas denúncias a tornaram alvo de ameaças constantes. Ela sobreviveu a pelo menos seis tentativas de assassinato por sua atuação contra crimes ambientais e em defesa da autodeterminação de seu povo.
A trajetória da líder indígena ultrapassou os limites da Amazônia. Em 2023, ela foi nomeada secretária nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas. Com isso, passou a representar oficialmente os povos originários em políticas públicas federais voltadas à demarcação de terras, proteção territorial, saúde e cultura indígena.
A participação de Juma como codiretora e protagonista de YANUNI aprofunda a noção de autorrepresentação indígena na mídia. Ao não ser apenas objeto da narrativa, mas também construtora dela, Juma amplia os horizontes de uma comunicação feita “com” e não “sobre” os povos indígenas.
Hugo Loss e a linha de frente contra o garimpo
Outro personagem central do documentário é Hugo Loss, agente ambiental e atual coordenador de operações de fiscalização do Ibama. Com mais de uma década de atuação na linha de frente contra crimes ambientais, Hugo tornou-se uma figura emblemática da resistência institucional à destruição da floresta.
Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB), Loss ganhou projeção nacional ao liderar operações de repressão a garimpos ilegais, invasões em terras indígenas e esquemas de grilagem no Pará e em outros estados da Amazônia Legal.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, Hugo foi exonerado em abril de 2020, num episódio interpretado por ambientalistas como uma retaliação política. Ele foi alvo de espionagem ilegal enquanto integrava a equipe técnica do Ibama, e seu afastamento gerou protestos de servidores e organizações da sociedade civil. Com a mudança de governo, Hugo foi reintegrado ao órgão e passou a ocupar cargos de chefia, atuando ao lado de lideranças indígenas em operações conjuntas.
YANUNI retrata não apenas a atuação profissional de Hugo, mas também os dilemas pessoais e familiares que envolvem seu compromisso com a floresta. A relação com Juma, construída em meio a ameaças e perseguições, ganha contornos de humanidade e urgência política.
Uma história pessoal que revela uma luta coletiva
O título YANUNI vem de um termo do idioma Xipaya que evoca força e ancestralidade. O filme mostra como Juma, grávida, assume novas responsabilidades institucionais enquanto enfrenta o custo emocional de liderar sob risco constante. Essa tensão entre maternidade, liderança e sobrevivência percorre toda a narrativa do documentário, revelando a complexidade de ser mulher, indígena, mãe e militante no Brasil de hoje.
A produção assume uma estética cuidadosa e uma narrativa que combina cenas documentais com registros de bastidores políticos, reuniões ministeriais e ações de campo. A trilha sonora, assinada por H. Scott Salinas e com participações de artistas indígenas, reforça o caráter sensorial do filme.
A presença da voz feminina e indígena na construção da narrativa não apenas resgata uma memória coletiva, mas também aponta para novos caminhos possíveis. A câmera de Richard Ladkani, que acompanha Juma e Hugo ao longo de meses, respeita a intimidade dos personagens sem cair na espetacularização da violência — um erro comum em narrativas ambientais sobre a Amazônia.
Reconhecimento internacional e disputa política
O Jackson Wild Media Awards é atualmente uma das maiores vitrines internacionais para produções audiovisuais ligadas à conservação. Filmes premiados no festival costumam ganhar circulação global e influenciar políticas públicas, campanhas de organizações internacionais e redes educacionais.
Com as indicações, YANUNI se junta a uma seleta lista de produções com foco na biodiversidade e na justiça climática. A nomeação brasileira também reforça a centralidade da Amazônia nos debates ambientais internacionais, especialmente em um momento em que o Brasil se prepara para sediar a COP30, em novembro de 2025, em Belém (PA).
Além da importância simbólica, a indicação do documentário sinaliza uma mudança de paradigma na forma como os povos indígenas têm contado suas próprias histórias. Produções como YANUNI marcam o início de uma nova fase em que a Amazônia fala por si, sem intermediários ou traduções coloniais.
Ficha técnica
O filme é dirigido por Richard Ladkani e produzido por Juma Xipaia, Leonardo DiCaprio, Anita Ladkani, Jennifer Davisson e Phillip Watson, entre outros. A cinematografia é assinada pelo próprio diretor, com edição de Georg Michael Fischer (bfs) e produção executiva de Dax Dasilva, Joanna Natasegara, Laura Nix, Erick Terena, Martin Choroba e Philipp Schall. O segundo câmera é o brasileiro Fábio Nascimento.
A trilha sonora conta com composições da rapper indígena Katú Mirim e vocais da artista Djuena Tikuna, reforçando a pluralidade de vozes da floresta em uma obra que pretende alcançar o mundo.


































