Análise das emissões das ‘Lagoas de Soda’ no Pantanal e seus impactos nas mudanças climáticas


 

As variações sazonais, que alternam entre estações secas e úmidas, além do nível de nutrientes presentes, são fatores determinantes nas emissões de gases de efeito estufa das lagoas salino-alcalinas no Pantanal. Embora menos comuns que as lagoas de água doce, essas lagoas desempenham um papel importante no ecossistema. Um estudo realizado por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) oferece novas percepções sobre os fatores biológicos que afetam essas emissões, ressaltando a necessidade urgente de aprofundar as pesquisas.

Lagoas de Soda

Conhecidas como “lagoas de soda”, esses corpos d’água são marcados por altos níveis de pH e concentrações elevadas de sais alcalinos, como carbonatos e bicarbonatos. Esses componentes afetam diretamente a microbiologia local e a diversidade de plânctons presentes.

O estudo destaca a importância de incluir a composição e a função das comunidades microbianas nos modelos de emissão de gases de efeito estufa, com o objetivo de proporcionar uma análise mais abrangente sobre como esses ecossistemas podem reagir às mudanças ambientais, como eventos climáticos extremos e incêndios.

Nos últimos anos, o Pantanal tem enfrentado secas severas e um aumento recorde de incêndios, atingindo o ápice em 2020, com mais de 22 mil focos de calor registrados. Entre janeiro e agosto de 2024, o total de focos de incêndio já superou os números registrados nos três anos anteriores, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Publicado na revista Science of the Total Environment, o estudo identificou três tipos distintos de lagoas salino-alcalinas no Pantanal, categorizadas de acordo com a composição química da água e a presença de comunidades microbianas: lagoas turvas eutróficas (ET), turvas oligotróficas (OT) e oligotróficas claras com vegetação (CVO).

Os resultados mostraram que as maiores emissões de metano ocorrem nas lagoas turvas eutróficas, associadas ao crescimento de cianobactérias e à decomposição da matéria orgânica. Quando essas cianobactérias morrem, o processo de decomposição acelera a produção de metano, especialmente durante a estação seca.

Já as lagoas oligotróficas claras com vegetação também emitem metano, mas em níveis mais baixos, enquanto as turvas oligotróficas não emitiram metano, possivelmente devido ao alto nível de sulfato na água. No entanto, essas lagoas liberaram dióxido de carbono (CO2) e óxido nitroso (N2O).

“Estamos observando grandes variações nas paisagens dessas lagoas. Desde 2017, quando fizemos as primeiras coletas, notamos que elas estão praticamente secando devido ao aumento da temperatura, alterações nas chuvas e queimadas. As imagens de satélite mostram uma redução das áreas alagadas, além de um aumento das cianobactérias, que deixam a água esverdeada. Esses são sinais claros das mudanças climáticas”, afirmou à Agência FAPESP Thierry Alexandre Pellegrinetti, pesquisador da USP e principal autor do estudo.

Parte da pesquisa foi realizada durante o doutorado de Pellegrinetti, sob a orientação da professora Marli de Fátima Fiore, também da USP. O projeto foi financiado pela FAPESP, que apoiou o estudo através do Projeto Temático “Mudanças Climáticas e Impactos Ambientais em Áreas Alagadas do Pantanal”.

Impacto global

Apesar de ocuparem apenas de 5% a 8% da superfície terrestre, as zonas úmidas naturais armazenam entre 20% e 30% do carbono dos solos do planeta, desempenhando um papel vital na regulação do CO2 atmosférico, principalmente em regiões tropicais e subtropicais.

No Pantanal, maior área úmida tropical do mundo, além das lagoas de água doce, existem aproximadamente mil lagoas salino-alcalinas, concentradas na sub-região de Nhecolândia, em Corumbá (MS), foco principal da pesquisa. Essa biodiversidade inclui mais de 2 mil espécies de plantas e 580 espécies de aves, que se beneficiam da biomassa abundante dos plânctons dessas lagoas.

O estudo revela uma tendência preocupante: o aumento das florações de cianobactérias, que podem transformar essas áreas em grandes emissoras de gases de efeito estufa no futuro. “O trabalho começou focado em entender a geologia dessas lagoas e analisar os ciclos biogeoquímicos, principalmente as emissões de metano, CO2 e óxido nitroso”, complementa Pellegrinetti.

Para Simone Raposo Cotta, microbiologista e coautora do estudo, é essencial reconhecer a importância dos microrganismos nesses processos. “Eles desempenham um papel fundamental na ciclagem de nutrientes e na manutenção dos ecossistemas, sendo cruciais para o funcionamento das lagoas”, ressalta Cotta.

Futuro da pesquisa

A pesquisadora explica que, até o momento, não foi possível estimar a contribuição total dessas emissões no contexto geral do bioma Pantanal, mas que o grupo está trabalhando em novos estudos para responder a essa questão.

“Estamos concluindo pesquisas sobre a formação dessas lagoas, pois já observamos mudanças significativas, como o aumento de cianobactérias. Nosso objetivo é entender o porquê dessas mudanças e encontrar formas de mitigá-las”, conclui.

O artigo completo, intitulado The role of microbial communities in biogeochemical cycles and greenhouse gas emissions within tropical soda lakes, pode ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969724047958?via%3Dihub.


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