A aposta de Lula para reposicionar o Brasil no clima


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder experiente e atento ao peso de cada frase que pronuncia, enxerga a COP30 em Belém como mais do que um encontro diplomático. Para ele, trata-se de um palco estratégico — interno e externo — capaz de moldar sua narrativa num momento em que o país se aproxima de mais um ciclo eleitoral. Aos 80 anos, depois de atravessar confrontos políticos intensos, sobretudo na disputa anterior contra Jair Bolsonaro, Lula se movimenta guiado por uma leitura precisa do cenário: crises ambientais e desigualdade social caminham juntas, e responder a elas pode redefinir seu legado.

Zô Guimarães / UN Climate Change

Por isso, quando Lula insiste em três pilares — abandonar gradualmente os combustíveis fósseis, zerar o desmatamento e enfrentar a crise global de financiamento climático — ele não está apenas listando demandas técnicas. Está desenhando um caminho político que tenta compatibilizar justiça social, ambição climática e liderança internacional. O trio fósseis, florestas e finanças aparece repetidamente em seus discursos recentes, desde encontros de chefes de Estado até declarações na abertura da COP30, sinalizando que sua estratégia está longe de ser improvisada.

O primeiro desses pilares, a transição energética, traz consigo um elemento incômodo. Ao mesmo tempo em que Lula clama pelo fim da era fóssil, seu governo autoriza novas frentes de exploração de petróleo e gás, inclusive na Amazônia. O contraste parece gritante. No entanto, reduzi-lo a mera contradição seria ignorar o cálculo político que sustenta essa escolha. Lula atua dentro de um sistema em que pressões econômicas, compromissos regionais e expectativas populares disputam prioridade. Ele pode avançar, mas raramente sozinho — precisa de parceiros, coalizões, sinais concretos de que outros países também se moverão.

Essa tensão interna não neutraliza sua ambição externa. Ao contrário, revela que o país chega à COP30 com uma chance rara: transformar o encontro amazônico em um marco de longo prazo, capaz de atravessar alternâncias de poder e sobreviver ao avanço global de governos alinhados aos interesses fósseis. Esse é o ponto levantado por Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, ao observar que a reunião de Belém pode romper com o imediatismo dos ciclos eleitorais e articular compromissos que ultrapassem fronteiras e mandatos.

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Marcello Casal jr/Agência Brasil

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Se as nações presentes decidirem seguir a trilha que Lula indica, a COP30 poderá inaugurar um acordo global com metas comuns para desligar o planeta da dependência fóssil. Ao mesmo tempo, poderá consolidar a proteção das florestas como peça central do desenvolvimento e estabelecer mecanismos de financiamento que finalmente respondam à dívida histórica dos países ricos com o Sul global. A Amazônia, que durante décadas foi vista por parte do mundo apenas como um território ameaçado, torna-se aqui uma plataforma de futuro.

Mas para que essa oportunidade se concretize, será necessário mais que discursos inspiradores. Governos precisarão abandonar a confortável prática de anunciar metas sem arcabouço operacional e, sobretudo, aceitar que nenhum país — por maior ou mais influente que seja — carregará sozinho o peso da transformação. A cooperação se torna um imperativo, não uma escolha.

Se Belém conseguir unir as delegações em torno desse espírito de mutirão, uma transição justa e o fim do desmatamento podem deixar de ser apenas bandeiras retóricas. Seriam, então, compromissos compartilhados que definem o que a comunidade internacional é capaz de fazer quando reconhece que seu destino é comum.

Para Lula, isso representaria mais do que uma vitória diplomática. Seria a confirmação de sua aposta em colocar o Brasil no centro das soluções climáticas globais. Para o mundo, contudo, o ganho é muito maior: a chance real de reescrever o rumo coletivo em direção a um planeta mais limpo, mais seguro e menos desigual.