A COP30, realizada em Belém, tornou-se um palco onde não apenas se discutem metas climáticas, mas onde também se desenrolam disputas globais que revelam o rumo econômico e político do século XXI. Para o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da conferência, um dos elementos mais marcantes do encontro é a forma como China e Estados Unidos se posicionam diante da transição energética. O contraste entre as duas potências, segundo ele, ultrapassa a diplomacia e invade o território da definição de futuro.

Corrêa do Lago descreve a presença chinesa como robusta, estratégica e abertamente alinhada a uma economia de baixo carbono. Enquanto isso, observa que parte do governo norte-americano mira na direção oposta, defendendo um retorno a modelos ligados aos combustíveis fósseis. O embaixador ressalta que essa divergência não é apenas técnica: ela se transformou em um embate geopolítico, no qual cada país tenta influenciar a percepção global sobre qual caminho econômico deve prevalecer.
Para os Estados Unidos, explica, existe um temor crescente dentro de setores políticos e empresariais. Abandonar a corrida pela transição energética poderia significar abrir mão da liderança tecnológica que moldará as próximas décadas. A China, por sua vez, parece ter decidido que essa é exatamente a arena em que pretende consolidar seu protagonismo, investindo de forma agressiva em energias limpas, cadeias produtivas verdes e infraestrutura tecnológica ligada ao clima.
Nesse cenário, Corrêa do Lago identifica o surgimento do que chama de negacionismo econômico. Não se trata mais de negar a existência da mudança do clima, mas de justificar sua continuidade como custo inevitável do desenvolvimento. Ele cita como exemplo o posicionamento do secretário de Energia dos EUA, Chris Wright, que admite o impacto das atividades humanas no aquecimento global, porém defende que o foco deveria ser a adaptação — e não a mitigação. A visão, segundo o embaixador, tenta reembalar a lógica de sempre: seguir com o modelo fóssil e apenas administrar as consequências.
Mas os argumentos econômicos que sustentam essa narrativa se fragilizam diante da realidade do mercado. Corrêa do Lago lembra que tecnologias limpas já estão mais baratas em diversos setores, e que recusar essa transição significa fechar os olhos para uma tendência irreversível. Ele afirma que negar isso se torna cada vez mais difícil, especialmente quando empresas, governos locais e investidores já operam com uma lógica distinta daquela defendida por parte do governo federal norte-americano.

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Mesmo com a ausência do governo dos EUA na COP30, o embaixador chama atenção para a presença de atores que representam parcelas significativas da economia norte-americana, como governadores de estados influentes, entre eles o da Califórnia. Juntos, eles representam cerca de 60% do PIB dos Estados Unidos. A mensagem implícita é que, mesmo sem a adesão formal da Casa Branca, a máquina econômica do país continua se movendo na direção de uma economia mais limpa.
No âmbito das iniciativas brasileiras, Corrêa do Lago destacou o lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), idealizado pelo Brasil como uma alternativa inovadora para financiar a preservação de florestas, a proteção da biodiversidade e o fortalecimento das populações tradicionais. O instrumento ganha relevância por operar fora dos mecanismos formais da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, permitindo que países em desenvolvimento, incluindo Brasil e China, contribuam de maneira mais flexível.
O embaixador observa que o TFFF mira especialmente os fundos soberanos — grandes veículos de investimento geridos por Estados — em busca de retornos estáveis e de longo prazo. Essa característica pode atrair recursos que dificilmente fluiriam pelos mecanismos tradicionais da convenção climática, devido às regras que atribuem aos países desenvolvidos a responsabilidade de financiar ações nos países em desenvolvimento. Ao ampliar a participação global, o TFFF abre uma nova porta de cooperação climática que reflete uma conjuntura na qual países emergentes assumem papéis centrais na governança ambiental.
Para Corrêa do Lago, o fundo tem potencial para ganhar força após a COP30, à medida que os países compreendem melhor o modelo e percebem suas vantagens estruturais. Em meio ao impasse geopolítico entre as maiores potências mundiais, o Brasil tenta criar espaços de inovação institucional que permitam avançar apesar das tensões.
O que emerge das falas do presidente da COP30 é um diagnóstico claro: a disputa climática não é apenas ambiental, mas estratégica. Ela definirá quais países liderarão — e quais ficarão para trás — na economia que substituirá a era fóssil. Belém, nesse sentido, não foi apenas sede de uma conferência; foi o cenário de um debate sobre o futuro do poder global.







































