O mercado de carbono foi vendido ao mundo como uma ferramenta sofisticada para conter a crise climática. A lógica parece simples: taxar ou limitar as emissões de gases do efeito estufa, forçando as empresas a buscarem fontes mais limpas. Mas, segundo o economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor do Instituto de Economia da Unicamp, essa solução não apenas é insuficiente, como pode atrasar a transição energética.

Em artigo publicado na Phenomenal World, revista de economia política editada em Nova York, Bastos argumenta que o mercado de carbono, formalizado como instrumento central durante a COP29 em Baku, sob coordenação da Organização das Nações Unidas (ONU), tem servido mais para desviar a discussão do que para enfrentar o problema na raiz.
A ideia central do mercado de carbono é criar cotas de emissão. Quem emite menos do que o limite estabelecido pode vender créditos para aqueles que excederam a meta. Na prática, esse sistema pressupõe que o preço do carbono seja suficientemente alto para tornar a poluição cara e inviável.
Mas, como lembra Bastos, isso nunca aconteceu de forma coordenada. “A divergência internacional nos preços do carbono prejudica um sistema eficaz de redução das emissões globais”, aponta. Em outras palavras, sem um preço único e consistente, as empresas acabam absorvendo o custo e continuam queimando combustíveis fósseis.
O Acordo de Paris estabeleceu metas ambiciosas de redução de emissões, mas, quase três décadas após o Protocolo de Kyoto, a dependência mundial de petróleo, carvão e gás continua quase intacta. Entre 1997 e 2024, o consumo de combustíveis fósseis cresceu 58%. Sua participação na matriz energética caiu de 85,8% para apenas 81%.
Limites do mercado e a necessidade do Estado
O economista é categórico: confiar apenas no sistema de preços é uma ilusão. “Os governos não devem confiar no poder mágico do sistema de preços para fornecer redes alternativas do nada”, afirma.
A seu ver, o primeiro passo não é encarecer a poluição, mas investir diretamente em infraestrutura verde e criar oferta real de tecnologias de baixo carbono. Somente depois que essas alternativas estiverem disponíveis em escala será possível usar o preço do carbono como ferramenta de indução.
A baixa rentabilidade da energia renovável também explica a resistência dos investidores privados. Enquanto projetos de energia verde oferecem retorno médio de 6% a 8%, bancos e fundos buscam taxas superiores a 10%, frequentemente garantidas pelo mercado de combustíveis fósseis. Além disso, a geração solar e eólica exige grandes áreas de terra, muitas vezes distantes dos centros de consumo, encarecendo a transmissão.

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Enquanto energias renováveis enfrentam instabilidade e margens de lucro reduzidas, as grandes empresas de petróleo e gás desfrutam de mercados concentrados e da proteção da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que assegura retornos altos e previsíveis.
Bastos destaca ainda o peso político dessas corporações. Apenas durante as eleições de 2024 nos Estados Unidos, companhias fósseis desembolsaram US$ 445 milhões para apoiar Donald Trump e outros políticos alinhados à sua agenda de retrocesso climático. O resultado foi a saída dos EUA do Acordo de Paris e o desmonte de políticas de transição energética, reforçando a dependência da energia “suja”.
Não por acaso, até 2010, apenas 90 instituições foram responsáveis por 63% das emissões globais de gases do efeito estufa. Entre 2016 e 2022, 80% das emissões vieram de apenas 57 corporações.
Florestas: solução parcial
Outra alternativa frequentemente debatida é a compensação florestal, por meio da conservação e regeneração. De fato, florestas maduras são sumidouros naturais de carbono. Mas, segundo Bastos, essa saída é limitada pela escassez de terras disponíveis. No máximo, seria possível reflorestar 900 milhões de hectares no mundo, o que absorveria cerca de 205 bilhões de toneladas de carbono ao longo de décadas — o equivalente a apenas cinco anos de emissões atuais.
O economista não descarta o mercado de carbono nem a compensação florestal, mas insiste que eles só funcionam se já existir um sistema elétrico alternativo robusto. O erro, em sua visão, está em tratar esses mecanismos como substitutos do planejamento público.
A mensagem de Bastos é clara: sem liderança estatal, a transição energética permanecerá lenta, fragmentada e vulnerável ao poder dos lobbies fósseis. O mercado de carbono pode até ser uma ferramenta complementar, mas jamais substituirá o papel central dos governos em coordenar investimentos, construir infraestrutura e criar condições reais para que as energias renováveis prosperem.
A crise climática exige mais do que instrumentos de mercado: pede escolhas políticas corajosas e planejamento de longo prazo.










































