Situação crítica na mineração: irregularidades detectadas em 37% dos registros analisados

Desktop 780x90 1

Um levantamento recente revela um dado alarmante: entre 257.591 processos minerários ativos no país, aproximadamente 95.740 — ou seja, 37% — apresentam algum tipo de inconsistência. O estudo é fruto da ferramenta Monitor da Mineração, criado pela rede de organizações MapBiomas para reunir, organizar e disponibilizar, gratuitamente, dados públicos da Agência Nacional de Mineração (ANM) relativos a licenças, lavras, autorizações e uso da terra ao longo de mais de 80 anos. A investigação expõe fragilidades graves no controle da mineração e levanta um alerta sobre os riscos socioambientais associados à atividade.

José Cruz/Agencia Brasil

De acordo com o coordenador da equipe de mineração do Monitor da Mineração, César Diniz, o sistema consolida dados antes dispersos e os apresenta de forma transparente e acessível — não apenas para órgãos fiscalizadores, mas também para jornalistas, pesquisadores e a sociedade civil. A função da plataforma vai além do levantamento estatístico: ela fornece os meios para que irregularidades sejam identificadas com clareza e cobradas de forma eficaz.

Entre as inconsistências apontadas, a mais frequente — presente em cerca de 84.466 processos, ou 33% do total — refere-se à ausência de autorização regular. Isso significa que essas operações minerárias não possuem concessão de lavra, não têm registro de extração, não contam com licenciamento, permissão ou autorização de pesquisa atualizados. Para o Monitor, qualquer extração ocorrendo nessas condições deve ser considerada irregular — uma forma de caracterizar mineração ilegal ou, no mínimo, não autorizada formalmente.

Além disso, quase 7.738 processos (3% do total) operam em áreas em que a mineração é proibida por lei: terras indígenas, unidades de conservação integral, reservas extrativistas (Resex) ou reservas particulares de proteção ambiental (RPPN). Ainda mais grave: 3.536 registros somam irregularidade de processo e localização — ou seja, extraem de forma indevida em territórios onde a atividade não poderia ocorrer.

O problema não se limita à falta de títulos. A inadimplência também é uma lacuna importante. A cobrança da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) — tributo que deve ser pago a municípios, estados e à União para compensar os impactos socioambientais da mineração — mostra abandono generalizado: nos processos obrigados a pagar, 56,4% não cumpriram o compromisso nos últimos seis meses. Esse dado evidencia não apenas irregularidade formal, mas falta de responsabilidade socioambiental e econômica.

O_Par__tem_sua_balan_a_comercial_impulsionada_pela_minera__o_com_o_min_rio_de-400x267 Situação crítica na mineração: irregularidades detectadas em 37% dos registros analisados

SAIBA MAIS:Royalties da mineração na Amazônia, para onde vai o dinheiro?

Quando se analisa a distribuição geográfica, os estados que concentram os maiores volumes de processos minerários são Minas Gerais (20,4%), Bahia (11,5%) e Pará (9,2%). Entretanto, a Bahia é o estado com maior proporção de inconsistências: mais da metade de seus registros apresenta irregularidades processuais. Já no Pará, chama atenção a ocorrência de extração fora do prazo autorizado ou além dos limites territoriais permitidos — sinais de descontrole e possível devastação ambiental.

A existência de tantos processos irregulares funciona como um retrato distorcido da mineração brasileira. Em meio a essa mancha de irregularidades está o risco real de degradação ambiental, violação de direitos de povos tradicionais, sobrecarga sobre comunidades locais e perdas irreversíveis de biodiversidade. A mineração, quando legal e bem fiscalizada, pode gerar emprego e desenvolvimento. Mas o conflito surge quando a atividade opera à margem da lei, sem controles, sem concessões válidas e com impactos que recaem sobre a sociedade e a natureza.

A ferramenta Monitor da Mineração emerge, portanto, como instrumento indispensável para fortalecer a transparência no setor mineral. Ao oferecer laudos por processo, com indicadores como fase da extração, conformidade legal, imagem de satélite e sobreposições territoriais, a plataforma dá condições concretas para que o poder público, instituições de controle e a sociedade civil realizem o monitoramento. Esse tipo de vigilância é fundamental para coibir mineradoras irregulares, garantir que a CFEM seja paga, assegurar que áreas protegidas e terras indígenas não sejam invadidas, e evitar que a destruição ocorra sem rastros visíveis ou responsabilização.

Diante do cenário, é urgente que o Estado brasileiro fortaleça os mecanismos de fiscalização e regularização da mineração. Legislação mais clara e rigorosa, controle efetivo, transparência no acesso aos dados, e aplicação das penalidades previstas. A mineração não deve ser um jogo de pressões e brechas. Deve, antes, servir como instrumento de desenvolvimento sustentável e justo — e isso só será possível com clareza, controle e participação pública ativa.

O Monitor da Mineração representa uma luz importante contra o risco de um setor entregue à informalidade. Mas cabe aos órgãos públicos, ao sistema de justiça e à sociedade acompanhar, denunciar e exigir respeito à lei. Só assim será possível transformar a mineração em um vetor de progresso — e não de destruição.