Na Semana do Clima do Panamá, a presidência da COP30 apresentou uma proposta que vai além das negociações formais: a criação de um Mutirão Global pelo Clima. A ideia, liderada pelo embaixador André Corrêa do Lago, atual presidente da conferência, busca mobilizar a sociedade civil internacional para que compromissos climáticos se transformem em ações concretas nos territórios.

A iniciativa parte de uma convicção: enfrentar a crise climática não é tarefa restrita a governos ou fóruns diplomáticos, mas um esforço coletivo que precisa permear escolhas cotidianas, tecnologias, culturas e modos de vida.
Do discurso à ação cotidiana
Segundo Ana Toni, diretora executiva da conferência, a noção de “mutirão” conquistou adesão porque transmite a força da colaboração com objetivos comuns. Ela ressalta que a ação climática não pode se limitar às duas semanas anuais da conferência, mas deve ser vivida diariamente — desde a escolha do transporte e da energia em casa até decisões de consumo e voto.
O conceito de Mutirão Global, apresentado na primeira carta ao mundo do embaixador Corrêa do Lago, foi defendido também por Túlio Andrade, chefe de Estratégia e Alinhamento da COP30. Para ele, a proposta pode criar uma verdadeira cadeia de mobilização, conectando plataformas, recursos e tecnologias em torno da missão de limitar o aquecimento global a 1,5 °C. Andrade sublinha que mais do que uma visão brasileira, o mutirão simboliza um pacto humano de cooperação, prosperidade e comunidade.

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Sabedoria ancestral e força local
A narrativa coletiva ganha ainda mais profundidade quando entrelaçada ao conhecimento indígena. O ativista Eric Terena, do povo Terena do Mato Grosso do Sul, descreveu o Mutirão como um movimento espiritual de cura da Terra. Para ele, trata-se de reconectar consciências às raízes da floresta, seguindo o ensinamento dos anciãos de que cuidar da natureza é também cuidar da humanidade.
Exemplos práticos desse espírito já estão em curso. Em Queimados, no Rio de Janeiro, a comunidade conseguiu encerrar uma década de alagamentos com ações coletivas. O caso, relatado por Lenon Medeiros, diretor da Visão Coop, mostra como soluções locais podem nascer da inteligência comunitária. Medeiros defende que os territórios sabem o que fazer, mas precisam de recursos e redes de apoio para multiplicar experiências bem-sucedidas em diferentes contextos sociais.
Redes internacionais de inovação
A mobilização proposta pela COP30 dialoga também com experiências de outros continentes. O indiano Sanjay Purohit, do Centre for Exponential Change (C4EC), destacou iniciativas conjuntas de cinco organizações em seu país, que atuam em áreas como agricultura sustentável, infraestrutura resiliente, biocombustíveis e inteligência artificial. Para ele, a ação climática precisa ser impulsionada por redes locais articuladas globalmente, com apoio de infraestrutura pública digital que permita engajamento contínuo.
Essa dimensão científica e inovadora também esteve presente no painel conduzido por Maria Augusta Arruda, diretora do Laboratório Nacional de Biociências do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNBio-CNPEM). A instituição tem papel estratégico em integrar diferentes áreas do conhecimento para construir soluções que dialoguem com a transição energética e a bioeconomia.
Um chamado à cooperação
O debate ainda reuniu nomes como Irene Suárez Pérez (Global Optimism), Antonia Gawel (Google), Sam Shang (Instituto Santa Fé), Paulo Durrant (Breakthrough Agenda), Shankar Maruwada (Fundação EkStep), Fabro Steibel (ITS Rio), Iñaki Goñi (ISWE Foundation), Sujith Nair (Foundation for Interoperability in Digital Economy) e Anit Mukherjee (Research Foundation America).
A diversidade de vozes ilustra que o desafio climático exige articulação entre ciência, tecnologia, ancestralidade, empresas, governos e movimentos sociais. O Mutirão Global emerge, assim, como uma narrativa capaz de aproximar universos distintos em torno de um mesmo objetivo: transformar compromissos diplomáticos em práticas concretas de cuidado com o planeta.
Mais do que uma metáfora, o mutirão se propõe a ser uma metodologia de ação que une pessoas, territórios e saberes. Como sintetizou Eric Terena, trata-se de um chamado espiritual e político à cura da Terra — uma tarefa que só será possível quando todos se reconhecerem como parte da mesma comunidade planetária.






































