Berçário natural do Xingu revela força da conservação amazônica


O ciclo reprodutivo das tartarugas-da-Amazônia transforma, todos os anos, o Refúgio de Vida Silvestre Tabuleiro do Embaubal em um vasto berçário natural no Médio Xingu, no Pará. Entre agosto e dezembro, praias de areia clara emergem com a vazante do rio e recebem milhares de fêmeas de tartarugas, tracajás e pitiús. Elas percorrem longos trajetos para depositar seus ovos nesse conjunto de ilhas fluviais, que se consolidou como um dos maiores sítios de desova de quelônios de água doce de toda a América do Sul.

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O movimento atinge seu ápice entre setembro e novembro, quando o calor do solo e o nível do rio criam as condições exatas para que os ninhos prosperem. A partir do fim de outubro, o cenário muda novamente: pequenas cabeças rompem a areia, inaugurando a temporada de nascimento. Até janeiro, milhares de filhotes iniciam sua primeira jornada rumo às águas do Xingu, repetindo um ciclo milenar que marca profundamente o imaginário amazônico.

Esse espetáculo natural não ocorre ao acaso. Ele é sustentado por mais de uma década de trabalho contínuo do Programa de Conservação e Manejo de Quelônios, desenvolvido pela Norte Energia, concessionária da Usina Hidrelétrica Belo Monte, em cooperação com o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade – Ideflor-Bio, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade – Semas e secretarias municipais da região.

Ao longo de 14 anos, o programa estruturou uma metodologia que une ciência, manejo ambiental e participação direta das comunidades ribeirinhas. O monitoramento dos ninhos, a vigilância das áreas de reprodução e as ações de educação ambiental tornaram-se pilares de uma estratégia que busca somar o conhecimento técnico ao saber tradicional.

Os resultados mostram a efetividade desse modelo. Entre outubro de 2024 e janeiro de 2025, foram identificados 1.692 ninhos, e 308.567 filhotes retornaram às águas do Xingu. Desde o início do programa, já são mais de 6,5 milhões de tartaruguinhas devolvidas à natureza. Em 2025, mesmo com a estiagem severa que afetou boa parte da bacia amazônica, mais de quatro mil ninhos foram registrados apenas nas praias do Tabuleiro.

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A bióloga Adriana Malvasio, referência nacional em estudos sobre quelônios e consultora do projeto, atribui esse sucesso à combinação entre ciência e participação comunitária. Ela destaca que cada ninho protegido representa mais do que a sobrevivência de um grupo de filhotes: sustenta o equilíbrio ecológico do Xingu, contribui para a dispersão de sementes, mantém cadeias alimentares e auxilia na limpeza natural dos rios. Segundo a especialista, a presença ativa dos ribeirinhos e povos tradicionais é decisiva para que o ciclo se mantenha vivo.

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Manter esse esforço contínuo exige investimentos robustos. A Norte Energia já destinou cerca de R$ 26 milhões ao programa e mobiliza equipes multidisciplinares de biólogos, técnicos ambientais e monitores locais. O compromisso se estende ao próprio território onde a vida floresce: o Revis Tabuleiro do Embaubal, criado em 2016, cobre mais de 4 mil hectares e reúne praias, igapós e várzeas que abrigam espécies ameaçadas, migratórias e endêmicas. A área está situada a cerca de 900 quilômetros de Belém e se destaca como um patrimônio ecológico da Amazônia.

Para Roberto Silva, gerente de Meios Físico e Biótico da Norte Energia, o Tabuleiro simboliza um pacto entre produção energética e responsabilidade socioambiental. Cada ciclo de reprodução, afirma, reforça a necessidade de integrar conservação e desenvolvimento, estimulando a participação das comunidades locais como protagonistas dessa missão coletiva.

A mobilização se amplia com o Projeto Tartarugas-do-Xingu, iniciativa de voluntariado criada em 2018 para apoiar o manejo de quelônios e aproximar a população do esforço de conservação. Em poucos anos, o projeto já devolveu cerca de 100 mil filhotes à natureza, consolidando uma cultura de engajamento comunitário em torno da proteção das tartarugas-da-Amazônia, do tracajá e do pitiú.

O conjunto dessas ações demonstra que a conservação na Amazônia não se limita à proteção da fauna: ela envolve conhecimento, investimento e, sobretudo, alianças duradouras entre ciência e comunidades. No Tabuleiro do Embaubal, cada filhote que alcança o rio carrega a marca desse trabalho compartilhado — e renova a esperança de que a Amazônia continue sendo um território onde a vida encontra caminhos para resistir e se multiplicar.