Na reserva Sawmillers, ao norte da baía de Sydney, na Austrália, é possível observar uma inovação na forma de adaptação à mudança climática: módulos arredondados de concreto instalados nas paredes de contenção que separam o mar da terra firme. Esses módulos, com cerca de meio metro de diâmetro e 10 centímetros de espessura, têm uma face voltada para o oceano que apresenta diferentes tipos de relevo, como buracos e ranhuras. O design desses painéis, conhecidos como “paredões vivos”, imita a textura dos costões rochosos naturais, contrastando com as superfícies lisas dos muros artificiais.
Pesquisas realizadas na área mostram que, onde esses paredões vivos foram instalados, há um aumento significativo na diversidade de espécies marinhas, como algas e crustáceos, em comparação aos locais com estruturas tradicionais. Um estudo publicado em 2022 na Philosophical Transactions of the Royal Society observou que, após dois anos de monitoramento, as espécies marinhas proliferaram mais nas áreas com os módulos irregulares, que favorecem a criação de poças da maré e uma temperatura mais amena.
Esses paredões vivos fazem parte de uma abordagem de ecoengenharia, que inclui soluções baseadas na natureza (SbN). As SbN são inovações e estratégias que buscam aumentar a resiliência das áreas urbanas frente aos impactos das mudanças climáticas, proporcionando benefícios sociais, ambientais e econômicos. O biólogo Ronaldo Christofoletti, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lançou um guia que apresenta várias SbN aplicáveis ao Brasil, durante a COP 29, realizada em Baku, no Azerbaijão, em novembro de 2024.
No guia, intitulado “Cidades Azuis”, a ecoengenharia marinha aparece como uma das principais propostas para regiões costeiras. Além disso, são sugeridas medidas como a restauração de ecossistemas naturais, como manguezais e recifes de corais, e o realinhamento da costa para controlar erosões e inundações. O projeto foi desenvolvido pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, em colaboração com a Unifesp, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a Unesco e a Fundação Grupo Boticário.
Com o apoio da FAPESP, Christofoletti e o engenheiro Rafael Pileggi, da Universidade de São Paulo (USP), vão testar a eficácia dos paredões vivos no litoral paulista. A parceria com pesquisadores da Universidade de Nova Gales do Sul (UNSW) e com a Autoridade Portuária de Santos e a prefeitura de Santos visa implementar testes no início de 2025. A região de Santos, com seu litoral fortemente urbanizado, foi escolhida devido ao processo de “endurecimento do litoral”, que ocorre quando a infraestrutura humana substitui o ambiente natural, prejudicando a biodiversidade local.
Em pesquisa publicada em junho de 2024 na revista Anthropocene Coasts, Christofoletti mapeou a extensão das estruturas artificiais na costa paulista, revelando que áreas mais urbanizadas, como Santos, Guarujá e São Vicente, são as mais afetadas por esse processo. “Quanto menos endurecida for a costa, mais resiliente será a cidade às mudanças climáticas”, afirma Christofoletti.
Os módulos de paredão vivo oferecem vários benefícios, como a criação de microhábitats protegidos, com temperaturas até 10°C mais baixas que as de estruturas lisas. “Em tempos de calor extremo, isso ajuda as espécies marinhas a se protegerem”, explica Mariana Mayer-Pinto, bióloga da UNSW, uma das responsáveis pelo projeto na Austrália. Além disso, esses módulos podem ser projetados para promover o crescimento de plantas marinhas, que ajudam na captura de carbono, auxiliando na regulação do clima.
Resiliência das cidades à mudança climática
A ideia por trás da implementação dessas soluções é aumentar a resiliência das cidades diante das mudanças climáticas. Um estudo publicado em outubro de 2024 na revista Science of the Total Environment sugere que as SbN podem dobrar a resiliência urbana. No entanto, para que essas soluções sejam efetivas, é necessário considerar as previsões climáticas futuras, como o aumento do nível do mar e o aumento da temperatura média global, conforme alertado pelo IPCC.
A oceanógrafa Aline Martinez, coordenadora do guia, ressalta que é fundamental planejar as SbN com base nos cenários climáticos futuros. A Lei nº 14.904, sancionada em 2024, já estabelece diretrizes para os planos de adaptação das cidades brasileiras, mas ainda há muito a ser feito. Atualmente, apenas 370 dos 5.570 municípios do Brasil têm planos ou legislação relacionados à adaptação e mitigação das mudanças climáticas.
A adaptação ao clima, de acordo com o agrônomo Jean Ometto, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), deve ser feita localmente, com mapeamento de riscos e vulnerabilidades, considerando os grupos mais afetados, como mulheres, crianças e idosos. “A adaptação precisa ser inclusiva e focada em quem mais precisa”, acrescenta Ana Toni, secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
O Brasil ainda está em processo de implementação dessas soluções, mas já existem alguns exemplos promissores, como o Parque Orla Piratininga Alfredo Sirkis, em Niterói, que utiliza SbN para melhorar a filtragem de águas pluviais. Outros projetos similares podem ser encontrados em Buenos Aires, Medellín e Bogotá, destacando-se pela implantação de jardins verticais e parques ecológicos urbanos.
Embora haja um crescente interesse por SbN, a maior parte das intervenções ocorre no Norte Global, com a Europa liderando a implementação de projetos. Um levantamento de 2023 revelou que 63% das iniciativas estão concentradas na Europa, enquanto as Américas e a África representam apenas 13% cada. No Brasil, embora o número de projetos seja relativamente pequeno, eles estão se expandindo, com diversas iniciativas urbanas adotando práticas sustentáveis e adaptativas, cada vez mais necessárias para o enfrentamento das mudanças climáticas.