A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, levantou nesta terça-feira (14), durante a Pré-COP em Brasília, um dos debates mais delicados da agenda climática: como mover o mundo além das negociações e efetivar ações reais para afastar a dependência dos combustíveis fósseis, petróleo, carvão e gás. O ponto central de sua intervenção foi defender o uso de adicionalidades, instrumentos fora da pauta formal de negociação da COP30, para impulsionar medidas concretas de transição energética e romper a rigidez do protocolo técnico.

Segundo Marina, embora o tema dos combustíveis fósseis não figure entre os 140 itens previstos para debate em Belém, ele já obteve um avanço simbólico na COP28: o documento final em Dubai incorporou o artigo 28 do Balanço Global (GST), que trata explicitamente da transição para além dos combustíveis fósseis, “de forma justa, ordenada e equitativa, com o objetivo de acelerar ações até 2050”.
Na visão da ministra, as adicionalidades oferecem a margem de manobra para manter esse tema vivo — mesmo quando ele não consta da agenda formal. “Precisamos de esforço que considere capacidades distintas, tempos de transição diferentes e as diversas realidades de pessoas e países”, afirmou. O uso dessas ferramenta, segundo ela, pode criar pontes entre discurso técnico e urgência prática.
Um dos pilares dessa proposta é a redestinação de subsídios do setor fóssil para iniciativas de energia limpa. Marina destacou que os subsídios aos combustíveis fósseis, conforme metodologia adotada, oscilam entre US$ 1,5 trilhão e US$ 7 trilhões globalmente, enquanto os incentivos aos renováveis ficam em torno de US$ 170 bilhões nos países do G20 (ou cerca de US$ 500 bilhões se somado o investimento privado). Ela defendeu que essa transferência “é o ponto de partida” para virar o jogo.

VEJA TAMBÉM: Pré-COP define o tom das negociações climáticas rumo à COP30 em Belém
Para reforçar essa proposta, Marina utilizou o compromisso brasileiro com o desmatamento ilegal zero até 2030 como exemplo de política nacional que articula metas ambientais e mecanismos de implementação. Segundo ela, esse modelo poderia inspirar planos nacionais de transição energética, com critérios consensuais e adaptados às circunstâncias de cada país, assim como ocorre com as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas).
Marina recordou que, até a COP28, as decisões climáticas evitavam mencionar de forma explícita o abandono dos combustíveis fósseis. O artifício do artigo 28 representou um avanço simbólico, mas precisa ser convertido em ação. “Decisões anteriores evitavam mencionar direta e claramente essa necessidade”, disse.
O tom de sua fala aponta uma tensão latente nas negociações climáticas contemporâneas: como reconciliar processos multilaterais — lentos, pautados por consenso — com a urgência climática que exige mudança rápida. Marina insistiu que a COP30 precisa superar o risco de ficar presa em disputas protocolares e voltar-se ao excesso de formalismo: “ações devem superar negociações”.
Esse tipo de discurso surge em meio a um contexto global de crescente pressão sobre combustíveis fósseis. A COP28 foi considerada um ponto de inflexão: pela primeira vez, um texto de COP endossou de modo explícito a transição energética, orientando os países a “se afastar dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos” de maneira alinhada às metas do Acordo de Paris.
Mas essa narrativa foi esculpida com cautela diplomática: os termos “eliminar” ou “banir” combustíveis fósseis não apareceram textualmente; o verbete aprovado foi “transição”. Ainda assim, ativistas e países vulneráveis consideraram esse avanço um sinal de que o “elefante na sala” finalmente foi reconhecido nas negociações climáticas.
Nos corredores da Pré-COP, esse pano de fundo conferiu urgência às propostas de Marina. Ela reconheceu que o regime climático terá de lidar com contradições: países com capacidades distintas, prazos de transição assimétricos e realidades socioeconômicas diversas. A estratégia com adicionalidades é apresentada como um mecanismo de convívio entre esse pluralismo e uma ambição mais firme.
A ministra concluiu sugerindo que a COP30 em Belém deve ser um momento de convergência entre técnica e movimento social, entre diplomacia e ação concreta. Se esse compromisso for efetivo, a conferência terá deixado de ser palco de retórica e se tornado alavanca de transformações reais.




































