Nos últimos anos, os mercados de crédito de carbono se destacaram como ferramentas promissoras para combater a mudança climática causada pela emissão de gases do efeito estufa. Essencialmente, esses mercados permitem que empresas emissores de carbono compensem suas emissões adquirindo créditos gerados por atividades que sequestram carbono.
A regeneração florestal, com sua capacidade de armazenar carbono, é um meio viável para a concessão desses créditos. No entanto, um novo estudo, envolvendo pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Itália, questiona os métodos atuais de estimativa de carbono e propõe uma nova metodologia especificamente para florestas tropicais.
Atualmente, as principais empresas certificadoras globais seguem metodologias recomendadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. Contudo, os autores do estudo, após análises de fragmentos da Mata Atlântica, concluem que essas metodologias ignoram as especificidades dos solos tropicais. O resultado é uma subestimação significativa do carbono sequestrado. Para corrigir isso, eles sugerem aumentar a profundidade da coleta de amostras e utilizar equipamentos mais precisos para medir o carbono no solo.
Método Proposto: Aprofundamento e Precisão
Uma crítica central do estudo é a profundidade de coleta de amostras recomendada pelo IPCC, de no mínimo 30 cm. As certificadoras, por padrão, coletam sedimentos até essa profundidade. Os pesquisadores, no entanto, defendem que essa medida é insuficiente para as florestas tropicais, sugerindo a ampliação para um metro de profundidade. Segundo Iraê Guerrini, engenheiro florestal e coautor do estudo, essa mudança é crucial para uma estimativa mais precisa do carbono no solo.
“Em solos temperados, 30 cm pode ser adequado devido à presença de rochas próximas à superfície. Porém, nos solos tropicais, essa profundidade não é suficiente para capturar toda a matéria orgânica e carbono armazenados”, explica Guerrini.
Resultados Significativos
A pesquisa, publicada na revista Scientific Reports, mostra que aumentar a profundidade de coleta pode revelar até 100% mais carbono, com uma média de 40% a mais. Além disso, métodos de análise mais precisos, como o Analisador Elementar (CHN Elemental Analyser), podem fornecer resultados mais acurados e seguros, em comparação ao método Walkley-Black, tradicionalmente utilizado mas menos preciso e mais tóxico.
Implicações para o Mercado de Créditos de Carbono
Existem dois tipos de mercado de créditos de carbono: voluntário e regulado. No Brasil, apenas o mercado voluntário está em vigor, onde empresas compram créditos sem obrigatoriedade legal, motivadas por políticas de responsabilidade socioambiental. O mercado regulado, ainda em discussão no Congresso Nacional, imporia um teto de emissões para empresas, que compensariam o excedente comprando créditos.
Em ambos os mercados, o carbono sequestrado por florestas em regeneração pode ser negociado como crédito. Para os pesquisadores, é vital que a metodologia de cálculo do carbono reflita as características locais das florestas tropicais.
“A proposta não visa beneficiar apenas o Brasil ou outros países tropicais, mas garantir justiça. As florestas tropicais são únicas, com uma grande variabilidade e a maior biodiversidade do mundo”, afirma Guerrini.
Recomendações e Desafios
Além de aumentar a profundidade da coleta, os pesquisadores recomendam o uso do CHN Elemental Analyser, apesar do alto custo. A colaboração entre laboratórios bem equipados e países com menos recursos pode ajudar a superar esse desafio.
O estudo analisou amostras de solos da fazenda experimental Lageado-Edgárdia, na Unesp de Botucatu, considerando diferentes perfis florestais. Os resultados indicaram que ignorar amostras entre 30 cm e 1 metro de profundidade significa negligenciar metade do carbono armazenado no solo. Fragmentos florestais mais preservados apresentaram maiores quantidades de carbono.
Expectativas para a Legislação Brasileira
Com o projeto de lei para criar um mercado regulado de carbono no Brasil em suas etapas finais no Congresso, Guerrini espera que a versão final contemple metodologias adaptadas às florestas tropicais. “A inclusão de metodologias adaptadas às regiões tropicais foi uma mudança fundamental aprovada pela Câmara no final do ano passado, e agora está em debate no Senado. Esperamos que essa proposta seja mantida na versão final do projeto de lei”, conclui Guerrini.