O reaparecimento da onça-pintada no Rio de Janeiro deixou de ser um episódio isolado para se consolidar como um sinal consistente de transformação ambiental. Novas imagens captadas por armadilhas fotográficas no Parque Estadual da Serra da Concórdia, no sul do estado, reforçam que o maior felino das Américas voltou a circular de forma regular por uma região onde era considerado extinto há quase meio século.

Os registros mais recentes, divulgados pelo Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro, mostram o animal caminhando com tranquilidade ao longo de um curso d’água no interior da unidade de conservação. As cenas foram gravadas em novembro, tanto durante o dia quanto à noite, indicando que a onça não apenas atravessou o território, mas passou a utilizá-lo como parte de sua rotina.
Um retorno que não aconteceu por acaso
O primeiro registro, feito em julho deste ano, já havia surpreendido especialistas e gestores ambientais. À época, a imagem de uma onça-pintada adulta caminhando pela Serra da Concórdia foi celebrada como um marco histórico para a fauna fluminense. Agora, a repetição dos flagrantes confirma que aquele momento não foi um desvio ocasional de rota, mas parte de um processo mais amplo de recolonização.
Segundo técnicos do Inea-RJ, trata-se do mesmo indivíduo: um macho adulto que vem sendo acompanhado de forma contínua. O monitoramento envolve não apenas câmeras com sensores de movimento, mas também a análise de vestígios deixados pelo animal, como pegadas e fezes, fundamentais para compreender seus hábitos e deslocamentos.
O secretário de Estado do Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro, Bernardo Rossi, destaca que o acompanhamento sistemático é essencial para garantir a proteção do felino e reduzir riscos de conflito com comunidades humanas. Para ele, cada nova imagem amplia o conhecimento sobre o comportamento da espécie e permite ajustar políticas públicas voltadas à conservação.

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Território, presas e sinais de equilíbrio ambiental
As imagens revelam uma onça-pintada confiante, atravessando repetidamente o mesmo trecho do parque. Para biólogos, esse comportamento indica marcação territorial, um passo importante para a permanência da espécie. Onças só estabelecem território em áreas que oferecem condições adequadas de abrigo, água e disponibilidade de presas.
As análises realizadas pelo Inea-RJ apontam que a dieta do animal é composta por espécies como capivaras, catetos e tapitis, todas presentes em populações consideradas saudáveis na região. Isso sugere que a cadeia alimentar local está relativamente equilibrada, um requisito indispensável para a sobrevivência de grandes predadores.
A presença da onça-pintada também funciona como um indicador biológico. Por ocupar o topo da cadeia alimentar, o felino depende de ecossistemas íntegros e conectados. Quando retorna a um território, sinaliza que a floresta, os rios e as demais espécies estão, ao menos em parte, cumprindo suas funções ecológicas.
A Mata Atlântica e um símbolo de resistência
Durante décadas, a onça-pintada foi considerada extinta no estado do Rio de Janeiro, vítima da caça, da fragmentação florestal e da expansão urbana. Em toda a Mata Atlântica, restam hoje menos de 300 indivíduos, espalhados em áreas cada vez mais isoladas. Por isso, cada novo registro tem um peso que ultrapassa o valor simbólico.
O caso da Serra da Concórdia chama atenção por ocorrer em um estado fortemente urbanizado. Em nota oficial, o Inea-RJ ressalta que o Rio de Janeiro foi o único estado brasileiro a ampliar sua cobertura de vegetação nativa nas últimas quatro décadas, passando de cerca de 30% para 32% entre 1985 e 2024. Embora o avanço pareça modesto, ele representa a reversão de uma tendência histórica de perda florestal.
Esse processo de recuperação, aliado à criação e fortalecimento de unidades de conservação, tem contribuído para a reconexão de fragmentos da Mata Atlântica. Para espécies como a onça-pintada, que necessitam de grandes áreas para sobreviver, esses corredores ecológicos são decisivos.
Convivência, proteção e desafios futuros
O retorno do maior predador terrestre do Brasil também impõe desafios. Garantir a segurança da população que vive no entorno do parque é tão importante quanto proteger o animal. Por isso, o Inea-RJ tem investido em ações de educação ambiental, orientando moradores sobre como agir diante de possíveis encontros e combatendo a desinformação.
Especialistas alertam que o sucesso dessa reocupação dependerá da continuidade das políticas de conservação, da fiscalização contra crimes ambientais e do diálogo com as comunidades locais. Sem isso, o avanço humano sobre áreas naturais pode interromper um processo que ainda está em estágio inicial.
Mais do que uma notícia isolada, as novas imagens da onça-pintada na Serra da Concórdia representam um convite à reflexão. Elas mostram que a recuperação ambiental é possível, mesmo em cenários marcados por décadas de degradação. Ao mesmo tempo, lembram que a permanência desse símbolo da fauna brasileira depende de escolhas feitas agora — entre preservar, conectar e proteger, ou repetir erros que quase apagaram a espécie do mapa fluminense.

















































