Governo lança painel que mapeia quase R$ 800 bilhões em gastos ambientais


Uma janela inédita sobre os gastos ambientais do Brasil

Em um movimento que pode ser considerado um divisor de águas na transparência das finanças ambientais do país, o governo federal lançou nesta terça-feira, 9 de dezembro, um painel interativo que permite ao público acompanhar como o dinheiro público foi gasto nas agendas de clima, biodiversidade e gestão de riscos e desastres entre 2010 e 2023. Essa ferramenta inédita nasce de uma parceria entre o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o Ministério da Fazenda — e representa o primeiro esforço consolidado para mapear e classificar de forma padronizada os gastos climáticos feitos pela União ao longo de 14 anos.

Marcelo Camargo/Agência Brasil

A nova plataforma, que engloba um painel de visualização dinâmica e um relatório analítico completo, cria um documento público que não existia até então: uma série histórica que revela não apenas quanto foi gasto, mas também onde e como esse dinheiro foi aplicado. A ideia por trás da iniciativa é simples e poderosa: sem dados sistematizados, criticavam gestores públicos, pesquisadores e sociedade civil, o Brasil caminhava “às cegas” ao tentar avaliar e aperfeiçoar suas políticas ambientais.

Quase R$ 800 bilhões entre clima, biodiversidade e riscos

O levantamento que sustenta o painel mostra que, de 2010 a 2023, o Governo Central aplicou R$ 782 bilhões em ações relacionadas às três grandes áreas monitoradas. Deste total, R$ 421 bilhões foram canalizados para agenda climática, R$ 250 bilhões para a proteção e conservação da biodiversidade e R$ 111 bilhões para a gestão de riscos e desastres climáticos.

Esse número bilionário — equivalente a quase R$ 56 bilhões por ano em média — é maior do que boa parte das estimativas anteriores disponíveis sobre despesas federais ligadas ao clima e à natureza. O painel deixa claro que a magnitude dos gastos só pode ser compreendida quando as diversas pastas federais passam a falar uma mesma linguagem e a classificar suas despesas por critérios comuns.

Mas os números também revelam algo mais curioso: os valores não cresceram de forma contínua ao longo dos anos. Pelo contrário, a análise mostra dois períodos distintos na evolução dos investimentos: até 2015, o gasto foi relativamente elevado e constante; a partir daquele ano, apresentou uma tendência de queda. Entre os fatores que explicam esse movimento, Brasília aponta a combinação de aperto fiscal, a adoção do teto federal de gastos, e a interrupção de programas decisivos — como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) — entre 2020 e 2022.

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Foto: Carlamoura.amb

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Mudança de foco: da mitigação ao enfrentamento de riscos

Mais do que os números absolutos, o painel mostra uma transformação no tipo de gasto ao longo dos anos. Em 2010, despesas com adaptação ao clima e gerenciamento de riscos climáticos representavam cerca de 24% do total da agenda climática. Em 2023, esse percentual saltou para quase 70%, indicando que a maior parte dos recursos federais agora está voltada para responder a eventos climáticos extremos que já estão acontecendo — como secas, enchentes e tempestades — em vez de focar em medidas de mitigação das causas das mudanças climáticas.

Essa mudança de perfil revela um Brasil cada vez mais confrontado com os impactos visíveis da crise climática. A ferramenta identifica gastos com infraestrutura de adaptação, programas de seguro rural, como o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), e iniciativas de redução de riscos naturais. Mas ela também chama atenção para a baixa destinação de recursos para governança e análise antecipada de riscos — aspectos considerados fundamentais para a prevenção eficaz.

No eixo da biodiversidade, o relatório expõe um paradoxo que muitos especialistas apontam há anos: os gastos com impacto negativo superam os positivos. A construção de grandes hidrelétricas, por exemplo, pode reduzir emissões de carbono ao deslocar fontes fósseis, mas tem efeitos irreversíveis sobre ecossistemas e modos de vida tradicionais. O painel, portanto, não apenas agrega dados, mas também convida a sociedade a debater o que e como os recursos públicos estão sendo empregados.

Uma ferramenta para o futuro

O desenvolvimento da nova metodologia que alimenta o painel envolveu quase dois anos de cooperação técnica entre diferentes órgãos federais, como o Ministério da Agricultura e Pecuária e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, além de organizações da sociedade civil como o Observatório do Clima e o WRI Brasil.

Esse processo colaborativo resultou em um modelo que não se limita à esfera federal: estados, municípios e até outros países podem adaptá-lo para seus próprios contextos. Ao colocar à disposição da sociedade um mapa detalhado dos gastos ambientais federais, o Brasil dá um passo importante rumo a uma gestão mais responsável, democrática e alinhada com os objetivos climáticos globais e nacionais, como os definidos no Plano Clima e no Plano de Transformação Ecológica.

O painel e o relatório completo podem ser acessados diretamente no site do MPO, e um vídeo tutorial orienta qualquer cidadão a navegar pelas informações de forma intuitiva.